por Marina Gonçalves
Publicado originalmente n’ O Globo
A gerente de projetos e investigações da ONG Profamilia Colombia, Luz Janeth Forero, comenta o procedimento realizado por Rebeca Mendes e as diferenças entre a legislação colombiana e a brasileira sobre a interrupção da gravidez.
Como foi feito o contato entre a Profamilia e Rebeca Mendes?
Foi estabelecido a partir da ONG brasileira Anis – Instituto de Bioética, que assim como nós faz parte da Federação Internacional de Planejamento Familiar (IPPF, na sigla em inglês), uma rede global que conecta organizações que defendem os direitos sexuais e reprodutivos.
E por que a senhora acha que a Colômbia foi o país escolhido?
Há 11 anos, desde que uma sentença da Suprema Corte autorizou a legalização do aborto no país, a Colômbia passou a ser muito reconhecida na região neste sentido. Além disso, acabamos de trazer para o país um medicamento, a mifepristona, que facilita o procedimento até 9 semanas de gestação. A Profamilia Colombia também atua no país há mais de 50 anos, o que nos torna em um destino importante para este tipo de procedimento, principalmente nos estágios iniciais. Também é importante mencionar outros procedimentos logísticos: Rebeca não precisou de passaporte para entrar no país, o que agilizou o processo, que precisava ser absolutamente rápido; e era um destino barato.
Em que casos o aborto é legalizado no país?
Nossa legislação, desde maio de 2006, permite o aborto em qualquer idade gestacional, por três causas. Primeiro, quando afeta a saúde física e mental da mulher, o que no nosso caso não significa que ela esteja necessariamente correndo risco de vida, como no Brasil, mas em qualquer situação que produza um estresse psicológico, como no caso de Rebeca. Em segundo, em casos de violência sexual, e em terceiro, quando há má formação do feto. Mas, novamente nesse caso, também é bem mais ampla e abrangente que o Brasil, que limita o aborto legal apenas a casos de anencefalia.
Ou seja, apesar de se parecer com a lei brasileira, há muitas variáveis.
Sim, nosso marco jurídico é absolutamente amplo e permite praticar o aborto em casos em que outras legislações não permitem. Aqui, a mulher também escolhe o procedimento a ser feito, de acordo com sua necessidade específica, e toda instituição de saúde, pública ou privada, é obrigada a fazer o aborto dentro desses três casos. No entanto, há claro, grupos que se opõem a esses avanços, e muitas mulheres encontram barreiras no acesso aos serviços, inclusive dentro da cobertura do plano de saúde. Além disso, muitas não têm acesso à informação necessária e não sabem que têm esse direito. E quando não se conhece seus direitos, eles não são exercidos. Ainda podemos avançar. O ideal é que a decisão seja legislativa.
Desde quando a Profamilia dá assistência a abortos no país?
Embora esteja no país há 52 anos, apenas desde 2006 começamos a realizar abortos, quando a Corte Constitucional tomou a decisão. Hoje, fazemos cerca de 1.100 procedimentos por mês, um número que tende a aumentar com a chegada do medicamento, em maio. Depois de cinco anos de trabalho interno e jurídico, a Profamilia conseguiu ser a organização autorizada a trazer e distribuir a mifepristona.
Foi o caso de Rebeca?
Não. Apesar de estar com 8 semanas, não haveria tempo hábil para os testes necessários e optamos por um procedimento mais seguro, nesse caso, e mais ágil. Foi feita a aspiração, que demora cerca de três horas, desde a hora que ela pisa na clínica, até o momento que vai para casa. Antes do procedimento, fazemos um acompanhamento e assessoria com a mulher, onde disponibilizamos todas as informações necessárias e explicamos todas as possibilidades, para que a mulher tenha os elementos para a tomada de decisão. Não foi o caso da Rebeca, que já estava claramente decidida. E só depois disso fazemos a intervenção.
Como a senhora vê as últimas discussões sobre o aborto no Brasil?
Qualquer violação que seja uma marcha a ré no direito de mulher não deve acontecer. Quando o mundo inteiro está avançando cada vez mais neste sentido, vemos o crescimento de grupos que vão de encontro aos direitos básicos de toda mulher, como o aborto, que todas deveriam ter direito a fazer.
Na região, quais países mais avançaram nesse sentido?
Além da Colômbia, indiscutivelmente, Uruguai e Chile, onde também por via legislativa, o governo acaba de reconhecer o direito ao aborto. Também citaria a Cidade do México, que tem uma legislação diferente do restante do país. Por outro lado, há países como El Salvador, onde a mulher pode ser criminalizada inclusive em casos de abortos espontâneos.