Servidores públicos no Pays de Cocagne, de João Roberto Andrade Neves.
Publicado originalmente por Jornal do Comércio, em 27 de junho de 2016.
Em meio a uma crise financeira jamais vista no País, o recente pacote de medidas aprovado pela Câmara dos Deputados – com um custo acumulado de R$ 67,7 bilhões até 2018 -, que, se prosperar no Senado, beneficiará servidores com reajustes de vencimentos de diversas carreiras, a começar pela nata do Judiciário federal, provocando um efeito cascata em toda a magistratura, é um exemplo de que o Brasil oficial é um Pays de Cocagne, criação do imaginário do povo francês, onde tudo existe para satisfazer todas as necessidades e todos os prazeres de seus habitantes, que serviu de tema para uma frase famosa de Boileau – um sátiro e polemista do século XVII.
Relevante considerar que o custo referido alhures não penalizará somente o contribuinte honesto e laborioso, que convive com o caos na saúde, educação etc.; ele agravará ainda mais a imoral desigualdade no País. Trabalhos de autores sérios corroboram a assertiva precitada, entre eles, o de autoria de Marcelo Medeiros e Pedro Souza, ambos do Ipea, publicado em 2013, intitulado Gasto Público, Tributos e Desigualdade de Renda no Brasil, o qual analisa todas as movimentações financeiras do governo e calcula o impacto delas no coeficiente de Gini brasileiro. A pesquisa conclui que um terço da desigualdade é diretamente relacionada ao pagamento de benefícios dos servidores públicos. Como o maior peso dos tributos incide sobre a produção e o consumo, os mais pobres acabam sustentando os altos salários e aposentadorias especiais de uma verdadeira classe de privilegiados, incluídos os magistrados venais aposentados por cometerem atos ilícitos.
Essa é a realidade no Brasil oficial, uma irmandade onde a ética dominante está controlada, regulada e legislada pelo Estado. Essa ética do poder nasceu em uma comunidade de antanho, formada por juízes, servidores públicos etc., a qual irá compor, ao longo dos séculos, aquilo que o saudoso Raymundo Faoro denomina de “estamento burocrático” (Os Donos do Poder), entidade anônima, parasítica do Brasil real, que necessita de uma urgente cura ética (mudança da postura, héxis).