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Quase 3,5 mil mulheres que praticaram aborto no Brasil foram processadas

9 de agosto, 2018

por Alana Ambrósio

Publicado originalmente na CBN

Os dados referentes a 2017 são do Conselho Nacional de Justiça. Pobreza aumenta os riscos de uma mulher ser criminalizada por interromper gravidez. A maioria das prisões é feita contra mulheres com renda inferior a mil reais por mês.

Três mil quatrocentas e cinquenta e cinco mulheres foram incriminadas no ano passado por praticarem abortos no Brasil. Os dados são do Conselho Nacional de Justiça. Isso sem falar dos processos que acabam não sendo contabilizados.

Mesmo quando elas ingressam com pedidos de habeas corpus, a negativa é o mais comum. Em São Paulo, entre 2003 e 2016, somente 14% dos pedidos foram concedidos. A medida deveria resguardar mulheres de uma investigação policial, mas a proteção é muito difícil.

É o que explica a defensora pública do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher, Paula Santana:

“Mesmo quando a gente levantava teses de que não havia nenhuma prova que ela tinha praticado o aborto ou mesmo estido grávida, a gente verifica que o judiciário e todo o sistema de justiça tem ainda no seu julgamento uma carga ligada à moral, de que esse crime é muito repreensível já que a mulher tem esse papel social construído de que ela tem que ser mãe”.

A pena para quem comete aborto é de 1 a 3 anos de prisão, mas cabe fiança.

Essa mulher que não quis ser identificada sentiu na pele isso ao tomar um remédio abortivo. Ela foi ao hospital e minutos depois do processo terminar, uma enfermeira chamou a polícia. Foi interrogada enquanto ainda sangrava e tinha uma convulsão. A história logo se espalhou na cidade onde ela mora e até hoje é chamada de assassinada e criminosa na rua:

“Ela tava me limpando, eu tive a convulsão e aí tendo essa convulsão já me colocaram numa cadeira em um quarto. Eu tinha acabado de chegar nesse quarto, nem soro tinham colocado no meu braço direito. E aí o policial chegou e já falou assim: ou você me fala o que aconteceu de verdade ou eu vou te algemar na maca agora”.

O aborto só é permitido em três casos no Brasil: gravidez resultante de estupro, risco de vida à mãe e feto anencéfalo. Foram 1636 abortos legais feitos no ano passado. Porém, por ser tipificado como crime na maioria dos casos, até mesmo o aborto legal vira tabu por ser exceção à regra.

Entre 2011 e 2016, mais de quatro mil adolescentes de 10 a 19 anos tiveram filhos de seus estupradores. Mostrando que, em muitos casos, mesmo um direito previsto em lei acaba negado às mulheres.

A antropóloga e professora da UnB Debora Diniz, referência nos estudos sobre o tema no Brasil, comenta os entraves:

“A elas são impostas barreiras como ter que ir à justiça, conseguir um alvará, fazer múltiplos exames. E essas barreiras sequenciais fazem com que uma mulher que chega ao serviço não continue. O tempo vai demandando dela um sofrimento mental intenso e ela acaba por não permanecer no serviço. Nós não sabemos o que acontece com essas mulheres, se elas vão pra clandestinidade e interrompem a gestação, mesmo tendo direito ao aborto legal, ou se elas mantêm a gestação”.

Em 5.500 municípios brasileiros, o Sistema Único de Saúde possui apenas 64 hospitais que oferecem os serviços legais, sendo que a maioria fica em São Paulo. Portanto, uma mulher que está no Norte ou Nordeste tem o acesso ainda mais dificultado.

Os procedimentos acabam comumente realizada de forma clandestina em locais adaptados. Essa mulher que não quer se identificar conta do medo que sentiu ao fazer o procedimento em uma casa na capital paulista:

“Era um sobrado de uma casa, tinha uma maca com uns aparelhos do lado. Esse lugar era bem feio, escuro, não era iluminado, com coisas velhas. Eu falei tô com medo, o cara tá me esperando, me bateu um desespero tão grande. Só que o medo de estar fazendo algo errado e de eu não poder fazer era maior do que o medo de ser presa”.

O SUS, nos últimos 10 anos, gastou cerca de R$ 500 milhões somente em tratamento das complicações de aborto, conforme dados do Ministério da Saúde. Neste mesmo período, duas mil mulheres morreram assim.

Ainda conforme a pasta, o aborto induzido por vontade própria da mulher é a 4ª causa de morte materna no país.

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