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Post viraliza e inspira rede de apoio a brasileiras que saem do país para fazer aborto legalmente

25 de junho, 2019

Colômbia é o principal destino de mulheres que viajam em busca do procedimento; país permite interrupção de gravidez para estrangeiras

Naíse Domingues

Publicado originalmente em O Globo

Um post no Facebook pensado para ajudar mulheres que buscam sair do país para realizar um aborto de forma legal inspirou a criação de uma rede de apoio feminina em torno do tema.

Em publicação privada, a cineasta Juliana Reis pedia doação de milhas aéreas para ajudar brasileiras que desejam ir para a Colômbia realizar o procedimento, mas não têm recursos. Em poucas horas, mais de 5 mil interações e 1.200 ofertas de doação chegaram a Juliana.

Além de milhas, os comentários ofereceram ajuda com hospedagem e alimentação para as mulheres que precisassem. Segundo a cineasta, seu post foi uma reação espontânea a uma reportagem sobre países que recebem brasileiras para interromper a gravidez indesejada.

– Fiquei muito impressionada com o nível de preparo das mulheres para debater o assunto, sem escapar da polêmica – comenta a cineasta, que resolveu levar o projeto adiante: – O retorno massivo dessas mulheres querendo discutir o tema é que nos deu a ideia de criar de uma entidade que possa abrigar o site, receber doação de miilhas, entre outras coisas. É um processo que está em andamento neste momento.

Em 2018, o caso da estudante Rebeca Mendes, que realizou o aborto seguro na Colômbia, após ter o pedido negado pelo STF , ganhou repercussão no Brasil. Inspirada neste caso, a cineasta Juliana Reis está produzindo um documentário que conta histórias como a de Rebeca.

Realizar o aborto legalmente em outros países não é novidade entre mulheres que possuem condições financeiras para viagens internacionais.

A Colômbia passou a permitir a interrupção da gravidez em 2006, em uma decisão da Suprema Corte do país. Até então, não existiam países vizinhos ao Brasil que realizassem o aborto de forma legal e ampla para estrangeiras.

A lei passou a permitir o aborto em caso de risco à saúde da mulher , em casos de estupro e má formação fetal, mesmas condições impostas pela lei brasileira .

De acordo com Gabriela Rondon, advogada e pesquisadora do Instituto Anis de Bioética, um detalhe da lei colombiana torna o acesso mais amplo do que no Brasil: a inclusão da saúde mental da mulher como fator de risco.

– Eles compreendem a saúde de forma mais ampla, incluindo questões físicas, mentais ou sociais. Essa possibilidade faz com que mulheres brasileras passassem a procurar o país – analisa.

Mulheres colombianas podem realizar o procedimento pelo sistema público de saúde . As clínicas particulares do país oferecem o serviço tanto para locais quanto para estrangeiras.

Embora ainda haja dificuldade para mensurar o número exato de mulheres que saem do país em busca de um aborto seguro, há uma estimativa que coloca as brasileiras em segundo lugar entre as estrangeiras que procuram o país com essa intenção, atrás apenas das venezuelanas.

– Ainda não é uma informação tão difundida, por isso o movimento não é tão intenso. Da Venezuela já tinha um fluxo migratório e ainda tem toda a questão da crise humanitária. Só depois do caso da Rebeca é que a possiblidade começou a chegar ao conhecimento das brasileiras — completa Gabriela Rondon.

Por que a lei não é cumprida no Brasil?

Quando comparada ao resto do globo, a América Latina ocupa uma posição nada favorável quando o assunto são os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres . Estima-se que, na América Latina e no Caribe, 97% das mulheres vivam sob regras que proíbem ou restringem de alguma forma o acesso ao aborto , segundo o Guttmacher Institute, organização americana focada em diretos sexuais e reprodutivos.

No Brasil, a interrupção da gravidez é legal em casos de estupro, inviabilidade fetal ou risco de morte para a mulher. No entanto, as brasileiras que buscam atendimento nem sempre conseguem ter acesso ao procedimento. Um relatório divulgado na última semana aponta que muitos hospitais ainda não realizam aborto legal , mesmo nos casos previstos em lei.

Segundo o relatório, entre os 176 hospitais que foram contatados, apenas 43% afirmaram realizar a interrupção da gestação nos casos previstos em lei. Dentre os hospitais que afirmaram realizar o procedimento, exigências de documentos como boletim de ocorrência ou ordem judicial são fatores que dificultam o acesso ao aborto legal .

Segundo Júlia Rocha, assessora da área de acesso à informação do Artigo 19, instituto que realizou o levantamento, existe um desfalque de informações sobre direitos reprodutivos e sexuais.

– O maior impedimento que as mulheres enfrentam é a falta de treinamento e desconhecimento sobre as normas. Os detentores da informação acabam não orientando a mulher de maneira correta – analisa.

Retrocesso nas leis

Atualmente, a PEC 25/2015, que havia sido arquivada, voltou para o Senado. O projeto de emenda constitucional, que prevê “inviolabilidade do direito à vida, desde a concepção”, pode representar um retrocesso na lei vigente.

Em São Paulo, o vereador Fernando Holiday propôs um projeto de lei que permite a internação psiquiátrica para mulheres que apresentarem “propensão ao abortamento ilegal” durante as consultas médicas. O PL 352/2019, apresentado pelo parlamentar no fim do mês passado, também dificulta o acesso ao procedimento nos casos em que ele já é permitido.

Caso o projeto seja aprovado, as mulheres deverão obter alvará judicial para realizar o aborto e esperar um período de 15 dias. Neste período, será exigido que a mulher passe por atendimento psicológico obrigatório, ultrassonografia e explicação sobre os procedimentos de aborto .

Para Sônia Correia, pesquisadora da Abia (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids) e cocoordenadora do Observatório de Sexualidade e Política, apesar das reformas dos últimos 13 anos em relação a leis mais permissivas ao aborto na América Latina, há um risco de retrocesso em todo o continente.

– Nos Estados Unidos, está havendo um movimento muito grande de retrocesso que assumiu dimensões maiores nos últimos quatro anos. E o que acontece lá tem uma influência muito grande na região – afirma a pesquisadora, que também alerta para dificuldade de acesso nos países em que há algum tipo de permissão: – Mesmo quando não há retrocesso absoluto, há a imposição de barreiras.

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