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Publicado originalmente por Nexo Jornal, em 14 de abril de 2016.
O aborto, que no Brasil é considerado um crime contra a vida, pode dar pena de três anos para a mulher que o fizer ou permitir que outra pessoa o faça. Ainda assim, o aborto é permitido em certos casos: se o bebê for portador de uma condição chamada anencefalia, que é a ausência total ou parcial do cérebro, se a mulher correr risco de vida ou se a gravidez tiver sido gerada por um estupro.
Em muitos casos, no entanto, esse princípio não é respeitado – como é o caso de L., que foi personagem em uma reportagem da “Agência Pública”. Grávida de seu estuprador, ela não conseguiu fazer o aborto na rede pública. Foi constrangida por médicos e profissionais de saúde, que perguntaram questões como se ela tinha certeza que o estuprador não era seu namorado e se ela não era religiosa.
O episódio gerou uma denúncia por parte da ONG Artemis, de defesa dos direitos da mulher, que foi encaminhada para a Presidência da República, para representantes das Organizações das Nações Unidas e para vários parlamentares. Segundo a denúncia, o caso representou violações da legislação brasileira, códigos de ética profissional e tratados internacionais de direitos humanos.
E esse não é o único caso. Quase 70% das mulheres que engravidaram de seus estupradores não têm acesso à possibilidade de abortar legalmente de maneira gratuita no Sistema Único de Saúde. No Rio de Janeiro, o número chega a 86%.
Uma análise da pesquisadora Débora Diniz, da Universidade de Brasília, identificou que entre as cerca de 30% das mulheres que engravidaram em decorrência de um estupro e que conseguem aborto legal pelo Estado, 14% precisou apresentar o boletim de ocorrência, em 11% foi preciso um parecer do comitê de ética da unidade de saúde e 8% só fizeram o aborto mediante um alvará judicial. A questão é que nenhum desses documentos é obrigatório, de acordo com as políticas do Ministério da Saúde.
Na análise, Débora também conversou com médicos e enfermeiros para detectar os principais motivos pelos quais a rede pública de saúde falha em atender essas mulheres.
Principais obstáculos
POUCOS PROFISSIONAIS CAPACITADOS
Na rede pública, há poucos médicos com conhecimento técnico capazes de realizar um aborto seguro. Poucos hospitais no país têm centros de referência para mulheres que precisam de um aborto legal.
FALTA DE CONHECIMENTO SOBRE LEGISLAÇÃO E DIREITOS
Entre os profissionais de saúde, há pouca informação sobre os direitos da mulher que ficou grávida em decorrência de uma violência sexual.
FALTA DE INFORMAÇÃO POR PARTE DA SOCIEDADE
O Ministério da Saúde não divulga a relação de quais são os hospitais e centros de referência que podem realizar abortos legais para “proteger as mulheres e os profissionais de saúde”. Também não há campanhas com informações sobre esse tipo de serviço. As raras histórias de mulheres que conseguiram abortar legalmente depois de engravidarem em um estupro mostram que todas elas só descobriram que poderiam abortar o feto depois de uma pesquisa na internet.
OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA
O código de ética da medicina e a legislação brasileira preveem que um médico não é obrigado a realizar um procedimento que vá contra seus princípios éticos e morais. Instituições não podem alegar objeção de consciência, mas médicos dentro de uma instituição podem. Os hospitais, portanto, precisam ter médicos que aceitem fazer o procedimento. Mas isso nem sempre acontece.
Os dados apontam que são 7% dos casos de estupro que resultam em gravidez. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2011, quase 44 mil estupros foram registrados no Brasil. Mas como estupro é um dos crimes mais subnotificados, é provável que o número seja bem maior.
“As exigências impostas às mulheres [para que elas possam fazer um aborto legal] pelos serviços são vergonhosas.”
Débora Diniz
Pesquisadora da UnB, em entrevista ao Nexo
De acordo com o Ministério da Saúde, o serviço de aborto legal é oferecido em 65 hospitais em 26 Estados. A norma técnica para a condução de casos de gravidez em decorrência de estupro se baseia no princípio da veracidade da palavra da mulher e estabelece que uma mulher que engravidou em decorrência de violência sexual não precisa de nenhum documento, como boletim de ocorrência, para realizar o aborto em uma unidade da rede pública.
O motivo é que o Ministério da Saúde considera que a mulher que passou por uma violência sexual nem sempre tem condições emocionais ou psicológicas de reviver a violência descrevendo-a em uma delegacia, especialmente porque em muitos casos os abusadores são seus conhecidos ou membros da própria família.
Projeto de lei pode tornar o procedimento ainda mais difícil
Para a mulher vítima de violência sexual, já é difícil conseguir realizar um aborto legalmente em caso de gravidez – ainda que esse seja um direito. Um projeto de lei do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), quer restringir ainda mais os casos em que a mulher pode fazer um aborto.
Aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em outubro de 2015, o projeto prevê, entre outras coisas, que a mulher passe por um exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal que comprove o estupro. Além disso, médicos e profissionais de saúde que informarem a uma mulher grávida do estuprador sobre seu direito de abortar estão sujeitos a penas de um a 3 anos de prisão.
Para especialistas, caso a lei seja aprovada, o número de abortos ilegais – que oferecem risco de vida à mulher – tende a crescer. Além disso, menos mulheres irão denunciar crimes de estupro.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vcex_social_links social_links=”%5B%7B%22site%22%3A%22youtube%22%2C%22link%22%3A%22https%3A%2F%2Fwww.youtube.com%2Fchannel%2FUCLEnSx2zVwo3KPpCU5h64_w%22%7D%2C%7B%22site%22%3A%22facebook%22%2C%22link%22%3A%22https%3A%2F%2Fpt-br.facebook.com%2FAnisBioetica%22%7D%2C%7B%22site%22%3A%22twitter%22%2C%22link%22%3A%22https%3A%2F%2Ftwitter.com%2Fanis_bioetica%3Flang%3Dpt%22%7D%5D” style=”minimal-rounded” align=”right” size=”20″ width=”30″ height=”30″][/vc_column][/vc_row]