Por Eduardo Gonçalves e Mariana Zylberkan
Publicado originalmente no site da revista Veja
Na próxima segunda-feira, dia 3, o governo do presidente Jair Bolsonaro lançará uma campanha publicitária de alerta contra a gravidez na adolescência, um problema que assola o Brasil há anos e o coloca em pé de igualdade com países como Somália, Haiti e Egito. Entre os pilares da nova propaganda, idealizada pelo ministério de Damares Alves, está o apelo a abstinência, além dos tradicionais métodos contraceptivos – o que gerou bastante debate entre especialistas da área da saúde.
Após a repercussão negativa sobre o assunto, a ministra foi a público dizer que a ação em prol da abstinência deve ser “complementar” e “não a principal política”. “Mas espere, essa nunca foi nossa proposta. Sempre colocamos que seria algo complementar. Que seria uma informação a mais. Que retardar o início da relação é um direito do jovem. E saber disso é um direito dele também”, disse Damares a VEJA.
Médicas discordam da visão da ministra. A chefe do ambulatório de ginecologia da Adolescência do Hospital das Clínicas da USP, Albertina Duarte Takiuti, cuida frequentemente de meninas gestantes – contou até já ter atendido uma avó de 27 anos (a paciente teve uma filha com 13 que, por sua vez, ficou grávida com 14). Coordenadora do programa Saúde do Adolescente do governo de São Paulo, Takiuti afirmou que a maior parte das pesquisas científicas já feitas comprovam que os programas voltados a abstinência são “ineficazes”, e que em países, como Japão e Canadá, que ostentam taxas baixissímas de mães adolescentes, essa tese nem é aventada.
“Há ainda uma preocupação que, com essa orientação, o adolescente, já tendo uma vida sexual ativa, sinta-se culpado e ainda minta para os pais e profissionais. Ainda mais neste momento, em que há uma volta de doenças sexualmente transmissível, como a sífilis, é preciso frisar a prevenção. Ao invés de falar em abstinência, deveria se priorizar uma roda de conversas no qual cada um fala sobre sua saúde e futuro”, diz a médica, que acabou de lançar o livro “Maternidade e Adolescência”.
A médica e psicóloga Ilana Grunbaum Ambrogi, pesquisadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis), criticou a abstinência como “medida complementar” proposta pela ministra, dizendo que isso “pode causar dano” aos jovens.
“Isso de alguma forma é um reconhecimento da ineficácia da abstinência. Uma política desse tipo reforça o sexo como algo negativo ou errado. Poderá, inclusive, se tornar uma barreira para jovens em busca de métodos hormonais ou camisinha: uma consequência grave que anularia a efetividade de políticas publicas de fato efetivas”, afirma Ilana.
Já a médica psiquiatra Carmita Abdo, fundadora e coordenadora do Núcleo de Medicina Sexual da USP, ressaltou o papel da educação desde a infância como forma de prevenir a gravidez precoce. “Ninguém tem dúvida de que é positivo protelar o sexo para adolescentes de 12, 13 anos. Mas isso só se faz com muito investimento em educação. A educação por si só já protela a decisão dos adolescentes. Agora, se eu falo a um adolescente de 17, 18 anos sobre abstinência, ele realmente não vai dar nenhuma atenção, porque essa demanda já faz parte da vida dele”, diz Carmita.
A médica também frisou que a abstinência é um “fim e não um meio” e que a sexualidade não pode ser tratada como um tabu, mas deve ser apresentada de maneira franca e contextualizada. “Como tudo na vida, nós preparamos as pessoas para o momento em que eles estarão aptas a fazer as coisas, seja para andar, falar, correr, ir para escola trabalhar. Por que com a sexualidade é diferente?”, questionou ela.