Usuários da rede social popularizada pelas imagens felizes e solares têm se emocionado com os posts e ajudado a divulgar a página, que hoje tem 10 mil seguidores. Com isso, familiares, amigos e conhecidos das vítimas passaram a reconhecê-las nos relatos e agradecer às homenagens.
“São pessoas que não me conhecem, nem eu as conheço. Muitos familiares vêm nos agradecer pela maneira como ilustramos seus entes. É muito emocionante”, afirma Ramon Navarro, autor das ilustrações.
Uma delas é Germaine Herculano Ribeiro dos Santos. “Kamilly amava coisas antigas, relíquias e coisas que contam histórias do passado”, lembra ela, mãe da jovem Kamilly, 17. Mãe e filha contraíram o vírus, mas a adolescente não resistiu.
Com o crescimento da página, os autores passaram a ser procurados diretamente por parentes e amigos de vítimas cuja morte sequer fora noticiada, no desejo de que suas histórias também possam ser contadas. “Passamos a ter as filhas, irmãs, mães dizendo ‘conta a história daquela minha que morreu’. E elas contam as histórias. Não era isso que imaginávamos, mas também acabam sendo formas noticiosas, alguém que entra e conta uma história. E são muito mais intensas porque são as pessoas falando, o que é diferente dos números e notícias”, conta Debora.
A dificuldade de vivenciar o luto, sem os rituais fúnebres devido ao alto risco de contágio, torna as perdas pela pandemia ainda mais dolorosas -e a existência de iniciativas como essa, mais tocantes.
Não é a primeira vez que a antropóloga volta seu olhar para os efeitos de uma epidemia sobre as mulheres. Com uma extensa e premiada carreira como documentarista e pesquisadora das questões de gênero e direitos das mulheres, Debora é autora do livro “Zika: do sertão nordestino à ameaça global” (Civilização Brasileira), que também rendeu um documentário.
A opção de contar histórias femininas foi uma provocação proposta por Debora, que alerta para efeitos desiguais da pandemia entre homens e mulheres. Elas representam a maioria na chamada economia do cuidado: são trabalhadoras domésticas, caixas de supermercados, técnicas de enfermagem.
“Como vão sobreviver as mulheres mais vulneráveis, que dependem das avós, que dependem de uma circulação de crianças na comunidade, da família expandida – e que têm que se manter nos trabalhos de cuidados, muitos deles considerados essenciais durante a pandemia?”, diz.
A antropóloga faz um alerta para a alta mortalidade entre mulheres jovens nessas ocupações, e ressalta que as medidas de isolamento social são um “efeito de corte em todas as mulheres, mesmo com suas classes sociais e diferenças”, com o acúmulo do trabalho remoto com a engrenagem doméstica entre as mulheres de classes mais altas.
“Contar histórias de mulheres é contar uma história do que é uma vida de cuidado e interdependência. Se queremos pensar que tipo de vida e sociabilidade queremos ter, que tipo de humano queremos ser após a pandemia, esses valores têm que estar no centro. E são valores feministas”, afirma.
A seguir, três famílias relatam a Universa quem eram as mulheres que perderam a vida em meio à pandemia. As ilustrações fazem parte do projeto.