O Papa é feminista, de Debora Diniz.
Publicado originalmente por HuffPost Brasil, em 9 de junho de 2016.
“Peço desculpas por ser um pouco feminista”, disse o Papa Francisco em uma conversa sobre presídios, cuidados e violências. Não se trata de uma revolução na Igreja Católica – não vamos tão longe – mas é algo alentador de ouvir. É verdade, as mulheres ainda são subalternizadas na hierarquia católica; trata-se de uma instituição até mesmo um pouco fanática em perseguir úteros. Não abandono meu grito de a “Igreja Católica é patriarcal” antes de felicitar a frase do Papa Francisco.
É preciso confortá-lo, pois não há motivo para pedir desculpas. É certo que precisamos acolhê-lo na coragem deste pronunciamento, pois há homens de batina que andam a perseguir uma palavra vizinha do feminismo, “gênero”; imagino, então, o que diriam de um pontífice descrevendo-se como feminista. Talvez, o anúncio acalme as almas de fiéis que imaginariam ser “feminismo” um pecado ou uma palavra feia: não é, e o homem sagrado inclui o feminismo entre seus atributos existenciais. Pouco ou muito, o Papa Francisco é feminista.
Todas começamos um pouco feministas, e depois vamos nos educando para nos tornarmos integralmente feministas. Se posso roubar uma palavra cristã para esta conversa, tenho esperanças de uma metamorfose integral – só não sei quanto tempo nos tomará a espera. Um Papa integralmente feminista abençoaria todas as formas de família e de amor; acalmaria as dores de uma mulher que fez aborto e esqueceria essa história de ameaçá-la de inferno ou purgatório; explicaria que camisinha protege contra doenças sexualmente transmissíveis; falaria de planejamento familiar por métodos contemporâneos e não medievais.
Mesmo pouco feminista, o Papa Francisco parece já ter aprendido que sexo não é destino dos corpos, e estou segura de que entendeu como o gênero é um regime de poder que subalterniza as mulheres. Essas são as lições básicas do feminismo, até mesmo para um iniciante. Mas não é fácil sair do armário; por isso, descrever-se como “pouco feminista” já é ousadia tremenda para quem representa uma instituição queimadora de mulheres como bruxas. Em seguida ao feminista, o Papa emendou frases misóginas de seus colegas de batina, como “algumas mulheres são um pouco histéricas”. Não sei se o escorregão foi falta de educação feminista, humor tolo ou estratégia para acalmar os torquemadas de plantão que o acusariam de “herege”.
Não há heresia, nem pecado, nem nome feio no feminismo. É só uma ética sobre a vida boa e justa. O feminismo promove valores e práticas que reconhecem não ser o corpo sexado ao nascer um destino de opressão para as mulheres. Aí está nossa lição anterior ao feminismo: para florescer a ética feminista na Igreja Católica e fora dela, é preciso falar de gênero. O Papa Francisco escolheu palavra mais solene para provocar o patriarcado, feminismo, mas entre nós, gente comum, é pedagógico voltarmos a falar de gênero nas escolas e na casa, na rua e na política.