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Indústria do entretenimento busca coerência com a mulher do século 21

5 de fevereiro, 2017

Das 25 músicas mais tocadas nas rádios brasileiras no ano passado, seis são de mulheres ou tiveram a participação do sexo feminino

por Rebeca Oliveira

Publicado originalmente no Correio Braziliense

Criticada por ser machista por quem defende a igualdade de direitos entre homens e mulheres, a indústria do entretenimento dá sinais de reação às reivindicações feministas. A Primavera das Mulheres, com início em 2015, fez mais que provocar o debate. Trouxe respostas e resultados. As provas surgem diariamente. Das 25 músicas mais tocadas nas rádios brasileiras no ano passado (segundo a empresa de consultoria Crowley), seis tiveram participação ou são de mulheres (veja lista). Pode parecer pouco, mas é um crescimento expressivo se comparado a 2015, quando só uma faixa cumpriu o mesmo papel, e a 2014, quando duas músicas tinham intérpretes femininas.

Todas as artistas listadas são do gênero sertanejo. Marília Mendonça, a mulher mais tocada nas rádios no ano passado, acredita que o “feminejo”, como está sendo chamado o movimento, pode servir como porta de entrada para outras mulheres no mundo da música. “Quanto mais unidas estivermos, mais podemos mostrar que nascemos pra ser o que quisermos. Cantoras, compositoras… Ser feliz é o que importa”, afirma, otimista.

Na linha de frente, a dona do hit Infiel conta que não sentiu preconceito de gênero depois do sucesso estrondoso da faixa que a projetou nacionalmente. “No começo era mais difícil, mas, como meu tempo de carreira ainda é muito pequeno, não sofri tanto. Antes de cantar foi complicado entrar, depois que entrei deu para mostrar para que vim e levar tudo com naturalidade”, avalia a artista, que também chama atenção por não esbarrar nos estereótipos de “loira, magra ou gostosa” para obter reconhecimento.

Mais que cantoras
Na mesma corrente, a visibilidade para a produção musical feminina foi reforçada com iniciativas como o portal Women’s Music Event (WME), site e conferência da indústria da música sob a perspectiva de mulheres. “Estamos vivendo um momento em que a participação feminina vem aumentando bastante, muitas novas artistas têm surgido e sido valorizadas. Estão no front no cenário musical da nova música brasileira”, acredita Claudia Assef, criadora do portal.

“Mas, quando falamos de música, o cenário é mais amplo. Quando falamos em conquistar mais espaço, queremos dizer em diferentes papéis dentro da música, no de empresária, booker, técnica de som, engenheira de áudio, roadie. Nesses perfis que vão além de brilhar nos palcos, ainda falta muito espaço a ser conquistado pelas mulheres”, complementa a jornalista, que fez o site em parceria com a produtora cultural Monique Dardenne.

Dualidades
Em cartaz nos cinemas, a nova heroína da Disney também evidencia essa preocupação com a imagem feminina moderna. Em Moana — Um mar de aventuras, não há príncipe encantado. Apontada como a protagonista mais feminista da gigante do entretenimento, a a personagem é independente e nada indefesa, seguindo uma linha que começou, sutilmente, com o blockbuster Frozen, há três anos.

Outro ponto favorável é a narrativa de aventura, com enfoque no envolvimento de Moana para salvar a ilha em que vive, no Sul do Pacífico, em vez das já batidas histórias de amor com conhecidos planos de fundo. Pela igualdade de gênero, o filme ganhou uma menção especial do ICAA (instituto espanhol que analisa desigualdade de gênero no cinema) — um reconhecimento extra à produção de Ron Clements e John Musker, mesmo diretores de A pequena sereia.

Entretanto, uma película não é suficiente para mudar todo o cenário, embora se trate de mudança gradual que atingirá sobretudo as novas gerações. Por trás das câmeras, a sétima arte continua sendo um “clube do bolinha”.

Segundo pesquisa divulgada no mês passado pela Universidade Estadual de San Diego, nos EUA, dos 250 filmes mais assistidos de 2016, apenas 7% foram dirigidos por mulheres. Por mais que uma parcela da indústria do entretenimento tenha se adaptado aos ideais do movimento feminista, a discrepância em Hollywood ainda é grande. Curiosamente, a mesma pesquisa apontou que, em 2015, esse número era de 9%, mostrando um retrocesso — mesmo diante do discurso inflado de algumas atrizes que almejam ser dirigidas por pares, como Jodie Foster, que pôs as mãos na massa no elogiado longa Jogo de dinheiro.

Assim como no cinema, na esfera social também é longo o caminho a se percorrer pela igualdade de gênero. Um deles é derrubar o conceito machista, que coloca a mulher como “algo” e não “alguém”, subvalorizada e sob domínio do homem que, em tese, pode tudo. Até mesmo matá-la se preciso for.

Resistência
Antropóloga e pesquisadora da Anis — Instituto de Bioética Direitos Humanos e Gênero, Debora Diniz acredita que, apesar de haver onda feminista tomando força na indústria cultural, as mudanças de padrões sobre quem as mulheres são ou podem ser perpassam esferas mais profundas, como a educação básica. Um caminho lento que exige resistência constante, ela admite. “Mais do que pequenos giros da indústria cultural, é preciso que o Estado assuma a desigualdade de gênero como uma violência inadmissível, e leve a sério as políticas públicas necessárias para combatê-la”, decreta.

“O que move esse mercado são as estratégias para atrair certo público consumidor. Não é dessa indústria que virão imediatamente as mudanças de representações”, pontua Debora.

Para a especialista, é importante salutar que essa nova representação da mulher na música, em filmes e na tevê atende, também, a apelos comerciais. “A indústria se movimenta tentando responder como consegue construir o melhor produto. Há giros importantes. São representações que se diversificam, estereótipos violentos revistos, mas há também limites. Nesse sentido, fazer essa análise não é ser cético, mas entender que todas essas lutas por igualdade das mulheres estão inseridas em uma lógica de mercado, que infelizmente as conforma.”

LISTA


Confira as 25 músicas mais tocadas nas rádios brasileiras em 2016, segundo a Crowley. Seis faixas são interpretadas por mulheres. Marília Mendonça é a primeira a aparecer, com Infiel.

Zé Neto & Cristiano – Seu polícia (Ao Vivo)

Marília Mendonça
– Infiel (Ao Vivo)

Eduardo Costa – Pronto falei

Marcos & Belutti part. Fernando Zor – Romântico anônimo

Maiara & Maraisa – Medo bobo

Victor & Leo
– Vai me perdoando

Jorge & Mateus – Sosseguei

Naiara Azevedo part. Maiara & Maraisa – 50 reais (Ao Vivo)

Henrique & Diego – Esqueci você (Ao Vivo)

Gusttavo Lima – Que pena que acabou (Ao Vivo)

Henrique & Juliano – Como é que a gente fica

Matheus & Kauan – O nosso santo bateu

Bruno & Barretto – 40 graus de amor (Ao Vivo)

Lucas Lucco – Batom vermelho

Thaeme & Thiago – Pra ter você aqui (Ao Vivo)

Gusttavo Lima – Homem de família

Zé Neto & Cristiano
– Sonha comigo

Maiara & Maraisa
– 10%

João Neto & Frederico part. Jads & Jadson – Vício

Thiaguinho
– Cancun (Ao Vivo)

Wesley Safadão – Coração machucado (Ao Vivo)

Michel Teló – Chocolate quente (Ao Vivo)

Thiaguinho
– Vamo que vamo (Ao Vivo)

Simone & Simaria
– Quando o mel é Bom (Ao Vivo)

Michel Teló
– Não tem pra ninguém

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