Publicada originalmente por O Sul, em 26 de agosto de 2016.
A Associação Nacional de Defensores Públicos ingressou com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) para pedir que grávidas afetadas pelo vírus da zika e que estejam em “grande sofrimento mental” tenham direito ao aborto. Não consta na ação a obrigatoriedade de comprovar microcefalia ou outros danos cerebrais no bebê – condição atualmente chamada de síndrome congênita da zika. Isso foi cogitado inicialmente pelo grupo.
O diagnóstico da síndrome, no entanto, é tardio (após a 21 semana de gestação), o que poderia inviabilizar o aborto.
Segundo o defensor público Joaquim Neto, presidente da associação, a ação não intenciona obter uma “autorização aberta” para aborto. Isso ocorreria apenas em casos “muito excepcionais”, em que o sofrimento mental da gestante esteja comprovado por laudos médicos e psicológicos.
A ação, sem prazo para chegar ao plenário da Corte, reúne outros quatro pedidos – entre eles, que as mulheres tenham acesso a contracepção e repelentes e as crianças com microcefalia, garantia à reabilitação. “O aborto não é o principal objetivo da ação, mas é impossível tratar do tema zika sem passar pelo assunto. Estamos com uma emergência de saúde pública, que afeta os mais vulneráveis e diante de um Estado omisso.”
“É um pedido de proteção à saúde mental das mulheres afetadas pelo vírus da zika, de reconhecer esse cenário de angústia e de sofrimento diante de incertezas e da precarização do acesso à saúde”, afirma Sinara Gumieri, advogada do instituto de bioética Anis. O instituto, que encampou o processo que conseguiu direito ao aborto em casos de anencéfalos (fetos sem cérebro), é o idealizador da nova ação com apoio de advogados, cientistas e ativistas.
Ação prevê a preservação da saúde mental das mulheres.
Debora Diniz, professora da UnB (Universidade de Brasília) e que dirige o Anis, faz uma analogia da permissão do aborto no contexto da zika aos casos de estupro, em que há autorização legal – além dos casos de risco à vida da mãe e de anencefalia. “A mulher sofre grave violência pelo Estado [que negligencia o combate ao mosquito Aedes aegypti, vetor do vírus da zika], vive intenso sofrimento.”
Alguns países afetados pela zika, como a Colômbia, reconhecem o direito ao aborto quando há perigo para a saúde mental da gestante. Pesquisa Datafolha realizada em fevereiro aponta que a maioria da população (58%) considera que as mulheres infectadas pelo vírus da zika não deveriam ter direito de abortar. Mesmo em casos de microcefalia, 51% rejeitam essa possibilidade.
A ação, com 90 páginas, questiona a constitucionalidade e a adequação de leis diante da epidemia de zika. Um dos pontos questionados é o acesso a informações. “Muita coisa vem sendo descoberta, como a transmissão sexual do vírus da zika e que a microcefalia é só um dos sinais, a síndrome é muito mais ampla [com dano cerebral, visual e auditivo]. Mas as informações oficiais não estão atualizadas”, afirma Sinara.
Outra reivindicação é para ampliar a oferta de métodos de contracepção de longa duração, como DIU (dispositivo intrauterino) e implantes. “É proteção básica para as mulheres”, assinala Debora.
A ação pede ainda garantia de transporte às famílias dos bebês com microcefalia, além de mudanças nos critérios da assistência social, que limitam em três anos a oferta do benefício de prestação continuada a essas crianças. “A deficiência delas é permanente”, destaca Joaquim Neto. (Folhapress)