por Juliana Arreguy
Publicado originalmente n’ O Globo
A estudante Rebeca Mendes da Silva Leite, de 30 anos, que teve um pedido de aborto negado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), apresentou na última quinta-feira um habeas corpus preventivo na 1ª Vara Criminal de São Miguel Paulista, na Zona Leste de São Paulo, para evitar punições caso tente interromper a gestação. Grávida de sete semanas, ela é mãe de outras duas crianças e alega não ter condições de arcar com um terceiro filho.
O caso de Rebeca veio à público há duas semanas, quando a mulher recorreu ao STF para dar fim à gravidez. O pedido, feito por meio do PSOL e da ONG Anis – Instituto Bioética, foi incorporado a uma ação que já corria na instância superior para tentar descriminalizar o aborto até a 12ª semana de gestação. A ONG, inclusive, se encarregou de assessorar a estudante juridicamente.
Advogada de Rebeca, Gabriela Rondon explicou que o caso foi acoplado à ação como “uma biografia de milhares de outras mulheres” que enfrentam problemas com gestações indesejadas. A grande preocupação da defesa é conseguir uma resposta judicial em tempo hábil para que o aborto não ocorra após o primeiro trimestre da gestação.
— Existe um problema de acesso à Justiça dessas mulheres por causa de tempo. É dificil ter uma resposta no tempo adequado da gestação — disse ao GLOBO.
Mãe solteira, Rebeca relatou em carta destinada à ministra do STF relatora da ação, Rosa Weber, que sobrevive com um salário de R$ 1.250 decorrente de um contrato temporário de trabalho que se encerra em dois meses e arca com custos diversos que incluem o aluguel de R$ 600 da casa onde vive com os filhos, de seis e nove anos. Estudante de Direito com bolsa integral concedida pelo benefício do Prouni, teme largar o curso para criar um terceiro filho.
“É o passaporte da minha família para uma vida melhor. Continuar com essa gestação significa também interromper por prazo indeterminado a conclusão desse sonho”, diz na carta divulgada em vídeo da ONG Think Olga.
Apesar do apelo, a ministra negou o aborto na última terça-feira. A defesa de Rebeca, então, ingressou com um pedido de habeas corpus preventivo na Justiça de São Paulo. Caso o recurso seja aceito, a estudante não poderá ser punida em caso de aborto.
— Queremos que ela receba um salvo-conduto de realizar o procedimento sem ser punida. Precisamos que a Justiça reconheça que ela está sob estresse mental e isso é prejudicial à saúde da mãe — explicou Gabriela.
A defesa também argumenta que, segundo o Código Penal, não há punição para o aborto quando a gestante corre risco de vida — a situação de estresse agudo à qual Rebeca foi diagnosticada poderia ser interpretada como forma de risco à saúde. No pedido, as advogadas destacam que a estudante “enfrenta intenso sofrimento mental por uma gestação impossível para seu projeto de vida e de sua família, o que tem acarretado graves danos à sua saúde.”
O texto explica que Rebeca garante o sustento próprio e dos filhos, recebendo uma pequena pensão do pai das crianças, e que sempre foi cuidadosa com a saúde reprodutiva. Após seis anos utilizando um método contraceptivo injetável, teria sentido efeitos colaterais como inchaços e “mal-estar circulatório” e procurado uma médica do SUS para trocar o medicamento. A opção apresentada à estudante foi o uso do DIU de cobre, que exige a realização de alguns exames, como o ultrassom.
Com a demora do sistema em agendá-los, Rebeca acabou engravidando durante o período de troca dos contraceptivos. No habeas corpus, a defesa argumenta que houve “omissão do serviço de saúde em oferecer alternativas adequadas às suas necessidades” pelo fato de o DIU ter sido o único método apresentado.
No entanto, até o início da tarde desta sexta, o Tribunal ainda não havia julgado o caso. A lei prevê pena de um a três anos de detenção caso a gestante provoque o aborto em si mesma ou permita a interrupção da gravidez por terceiros.