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“Eu não quero sofrer sem poder procurar ajuda”, diz grávida que pede à Justiça o direito de abortar

24 de novembro, 2017

por Alexandre Aragão

Publicado originalmente no BuzzFeed

A estudante Rebeca, 30, pediu ao STF, na quarta (22), autorização para interromper sua gravidez. Ela contou sua história ao BuzzFeed News.

Rebeca, 30, é mãe de dois filhos, está grávida e vai ficar desempregada.

Seu contrato de trabalho é temporário, vai vencer em fevereiro, e não pode ser renovado. Ela ainda não sabe como vai sustentar os filhos, de 6 e 9 anos, sem os R$ 1.250 mensais que recebe atualmente.

Débora Diniz / Think Olga

“Eu não sou tola de achar que uma empresa vai contratar uma grávida — não, não vai contratar”, diz Rebeca, em entrevista ao BuzzFeed News.

Há 10 dias a estudante descobriu a nova gestação, atualmente com seis semanas. O pai é o mesmo de seus outros dois filhos — ele paga a pensão, mas não ajuda a criá-los no dia a dia, segundo a mãe conta. Ela engravidou num encontro casual, quando estava trocando de método contraceptivo.

Em março, o PSOL pediu que o STF (Supremo Tribunal Federal) autorizasse grávidas com até 12 semanas de gestação a abortar. O caso está parado desde então. Na quarta-feira (22), o pedido de Rebeca foi anexado ao original.

Agora, Rebeca conta com o apoio do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) e do grupo feminista Think Olga, que é responsável pela campanha #EuVouContar, que incentiva mulheres a relatar suas histórias pessoais sobre aborto.

Leia o depoimento de Rebeca abaixo.


As pessoas dizem que engravidou porque quis, já que há muitos métodos contraceptivos disponíveis. Mas eu estava me tratando, eu estava entre um contraceptivo e outro.

Desde que meu filho mais novo nasceu, há seis anos, eu tomava injeções de hormônio a cada três meses. Nesse período, eu engordei demais: sou baixinha, e fiquei muito fora do meu peso.

Eu estava há seis anos sem menstruar e, por isso, resolvi parar de tomar a injeção até meu ciclo menstrual se normalizar para que eu pudesse colocar um DIU — porque seria um contraceptivo menos danoso para o meu corpo. Desde que eu parei de tomar as injeções, emagreci 10 quilos. Minha saúde estava melhorando.

Acordo às 5h40 para trabalhar e, geralmente, minha aula vai até as 23h.

Débora Diniz / Think Olga

Eu trabalho na rua, então tenho a liberdade de parar às 11h e voltar para casa. Aí eu arrumo meus filhos e levo para a escola — deixo eles lá às 13h e volto a trabalhar. No fim da tarde, umas 17h, eu tenho que buscá-los e levá-los para casa, porque às 18h30 eu preciso sair para a faculdade.

Às vezes eles ficam com o pai, mas é muito raro. Porque o pai tem que sair para trabalhar, às vezes a irmã dele não pode ficar [com os sobrinhos].

Eles costumam ficar sozinhos em casa. Na faculdade eu ainda consigo levar o pequenininho, mas de manhã, quando eu chego, os dois estão dormindo. Eles dormem tarde porque eu chego tarde da faculdade.

Meu contrato termina em fevereiro. Eu não sou tola de achar que uma empresa vai contratar uma grávida — não, não vai contratar. Já é difícil contratarem quando a mulher tem filho pequeno, quem dirá grávida.

Se essa situação for para frente, a partir de fevereiro nós vamos passar necessidade. A gente passaria muita necessidade, mesmo. Vai faltar dinheiro para comprar comida — a ponto de eu ver meus filhos chorando em casa, com fome, e eu não ter o que fazer.

O pai deles é dois anos mais novo que eu, trabalha como funcionário público e não participa muito. Às vezes eu tenho que implorar que ele me ajude. Mas para ele já é o máximo, entende?

Débora Diniz / Think Olga

Porque para ele, antes, o importante era a faculdade. Agora que está trabalhando, o importante é o trabalho dele, e mais para a frente ele pretende fazer uma pós-graduação. Então, tudo que se refere aos meninos é comigo.

Eu engravidei do nosso primeiro filho no começo da relação, e fomos morar juntos. A gente viveu um momento separados, mais ou menos um ano, mas logo que o mais velho nasceu voltamos a morar juntos. Foi assim até três anos atrás, em 2014, quando a gente se separou de vez.

Quando contei que estou grávida, a reação dele foi de desespero. Antes de saber minha opinião, falou: “Não, eu não quero ter. Não posso ter”.

Eu falei: “Você pode falar qualquer coisa, no final a decisão é minha”.

Comprei o teste na segunda-feira passada [dia 13 de novembro], fiz assim que voltei da faculdade e deu positivo. Eu liguei para ele, a gente acabou se encontrando para conversar na rua porque ele não queria que os meninos ouvissem. Eu falei para ele que estava grávida de novo.

Naquela segunda à noite, ele perguntou o que eu ia fazer. Eu disse que não sabia, que ia pensar. Mas reforcei para ele: “A última decisão é minha, mas eu vou pensar”.

Ele falou que se eu quisesse tirar ele ajudava. Foi aí que eu respondi: “Eu não quero comprar um remédio e acabar sofrendo dentro de casa, sem poder procurar auxílio de ninguém”.

E com medo de procurar auxílio e acontecer alguma coisa penalmente, que inclusive foi uma disciplina que eu tive na faculdade no semestre passado.

Ele disse que ia dar tudo certo. Naquela segunda-feira eu não dormi.

Eu acredito muito que a minha opinião sobre aborto veio, sim, por causa da faculdade. Porque lá você aprende o que é sofrer um processo penal, a consequência de um crime de aborto. Eu acho que a minha posição é muito pelo conhecimento na área que eu tenho hoje em dia.

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