por Alexa Meirelles
Publicado originalmente na Exame
São Paulo – Na penúltima quarta-feira (20), o senado chileno sancionou a lei que permite o aborto em casos de estupro, má formação do feto e risco de vida para a mãe. Até então, a prática era totalmente restrita no país.
O projeto, que é um dos principais do governo da presidente Michelle Bachelet (2014 – atualmente), segue agora para ratificação na Câmara dos Deputados. A Casa possui maioria governista, o que pode se traduzir em sua aprovação, e deve, em breve, ser levado para a sanção presidencial.
Falar sobre aborto costuma gerar polêmica, mas os números que circundam essa prática tornam o debate inevitável. Segundo a OMS, 22 milhões de abortos ocorrem por ano em locais insalubres e sem a estrutura adequada. Estima-se, ainda, que 47 mil mulheres morram todos os anos por complicações decorrentes do procedimento.
Grupos defensores de direitos das mulheres defendem que, se a prática fosse descriminalizada, tanto a mulher gestante que decide interromper a gravidez como o terceiro que realiza o procedimento, deixariam de ser penalizados por isso. Algo que traria maior segurança jurídica para os envolvidos.
Já a legalização seria um passo a diante: estabelecer regras para regulamentar a prática, oferecendo estrutura para que o aborto ocorresse de forma segura, sem risco de vida para a gestante.
Para a antropóloga Debora Diniz, da Universidade de Brasília, a discussão em torno do tema deve frisar que a sua legalização não é sinônimo de banalização. “As mulheres devem saber que recorrer à prática é só em último caso e que elas devem continuar a utilizar preservativos”, nota.
Segundo a OMS, 88% dos 56,3 milhões de casos de aborto no mundo ocorrem em países emergentes. O dado impressiona quando outro fato é analisado: estes países, em sua maioria, criminalizam o aborto. Logo, percebe-se como as tentativas para frear a prática têm se mostrado ineficazes.
Segundo pesquisa do Pew Reserach Center, 3 em 10 países ao redor do planeta permitem o aborto caso a mulher simplesmente o queira, enquanto 40% dos países permitem o procedimento apenas sob as condições de preservar a saúde física e mental da mãe (no casos de incesto ou estupro), má formação do feto ou por falta de condições socioeconômicas para se criar um filho.
Segundo dados compilados pelo World Abortion Laws, fica evidente as diferenças de posicionamento sobre o tema ao redor do mundo. No hemisfério norte, por exemplo, a maioria dos países já legalizou o aborto. No hemisfério sul, tipicamente formado por países em desenvolvimento, o quadro é outro. Veja abaixo como são as leis sobre o procedimento em todo o mundo:
(Veja o mapa na publicação original: http://exame.abril.com.br/mundo/entenda-como-o-aborto-e-tratado-ao-redor-do-mundo/)
O mapa divide os países em cinco categorias: nos quais o procedimento é criminalizado, descriminalizado, permitido para preservar a saúde da gestante, permitido com base em fundamento socioeconômico, isto é, quando a mãe não tem condições econômicas para criar a criança e sem informações, que agrupa os locais nos quais os dados não estão disponíveis.
Nele, é possível observar como grande parte dos países desenvolvidos têm a prática legalizada. Contudo, toda regra possui a sua exceção: segundo o jornal britânico The Guardian, que avaliou legislações sobre o tema, é mais fácil abortar em países como Portugal e Espanha, do que na Irlanda do Norte, por exemplo, embora todos sejam majoritariamente católicos.
Segundo a ONG Anistia Internacional, é a Irlanda do Norte o país que possui a legislação mais dura para o aborto na Europa. A mulher só pode abortar se correr risco de vida. Mesmo se a gravidez for fruto de estupro ou incesto, o procedimento ainda assim é visto como crime e a pena é a prisão perpétua, tanto para a mulher quanto para quem realizou a operação.
Na contramão, há países emergentes que já legalizaram a prática, como Cuba e Uruguai, na América Latina, e exemplos como o Camboja, onde o aborto é legalizado desde 1997, e no Nepal, desde 2002 (apesar de não ser feito gratuitamente).
Há, ainda, países com legislações tão duras que a mulher pode ser penalizada até mesmo se sofrer um aborto espontâneo. Um caso notório foi o de Glenda Xiomara Cruz, em El Salvador. Em 2016, a jovem de 19 anos foi buscar ajuda médica por estar sofrendo intensas dores abdominais, sem saber que estava grávida. Denunciada pelo próprio hospital por esse aborto espontâneo, foi sentenciada a 10 anos de prisão.
Outro caso em solo salvadorenho é o de Mirna Ramírez, que saiu da prisão em 2015 após 12 anos. Ela deu a luz a um bebê prematuro, quando tinha 34 anos, no banheiro de sua casa. Foi denunciada por uma vizinha a quem havia pedido ajuda, que declarou às autoridades que Mirna havia tentando matar a criança que nasceu após 7 meses de gestação.
Tanto Glenda Xiomara quanto Mirna ouviram a mesma sentença do juiz: elas deveriam ter “salvo o bebê”.
Nicarágua, Honduras e República Dominicana são outros exemplos de países onde a prática é totalmente restrita – não há exceções, nem mesmo se a mulher tiver sido estuprada.
Dados do Instituto Guttmacher, sediado nos EUA, no entanto, mostram como esse tipo de política rígida não traz qualquer modificação no número de procedimentos realizados. Desde 1990, a quantidade de abortos na América Latina só cresceu: 44 em cada mil mulheres entre 15 e 44 anos já abortaram.