Foi entregue ao Supremo Tribunal Federal a primeira ação que pode descriminalizar o aborto no país em qualquer gestação com até 12 semanas
por Debora Diniz
Publicado originalmente na TPM
Os números são espantosos. Mais de meio milhão de mulheres em 2015 fez aborto no Brasil. Elas se esconderam, sentiram medo, arriscaram a própria vida. Mulheres comuns viveram o pânico de serem denunciadas à polícia ou a humilhação de sangrarem em hospitais à espera de cuidado. A mulher que faz aborto no Brasil é uma mulher comum, mas com o rosto de nossa desigualdade: quanto maior sua situação de vulnerabilidade maiores os riscos pelo aborto ilegal.
Neste 8 de março, marchamos e anunciamos “nem uma a menos”. O sentido deve ser pleno – “nem uma mulher a menos” exige a descriminalização do aborto. Nenhuma mulher pode morrer, sentir dor ou medo porque o aborto é crime no país. O Supremo Tribunal Federal recebeu uma ação de revisão constitucional do Código Penal de 1940: a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental foi apresentada pelo PSOL, em parceria com a Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero e pede a descriminalização do aborto nas doze primeiras semanas de gravidez. Em termos simples, o aborto não pode ser criminalizado, pois viola a dignidade e a cidadania das mulheres.
“Nem uma a menos” é isso. Não se deveria morrer por aborto: Elizangela poderia estar viva, não precisaria ter se escondido para fazer um aborto ilegal. Elizangela foi vítima de tortura – os maus tratos impostos pela criminalização do aborto. Ao invés de falarmos de aborto por abstrações morais, é preciso lembrar de mulheres comuns como ela, ou de suas famílias em luto. Os três filhos de Elizangela são, agora, órfãos; outras três milhões de crianças teriam suas mães presas se todas fossem para cadeia por ter feito aborto em algum momento da vida. Aos 40 anos, uma em cada cinco mulheres já fez um aborto no Brasil.
É assim o sentido de “nem uma menos” na Suprema Corte brasileira. Os onze ministros terão a oportunidade histórica de corrigir uma injustiça persistente da sociedade brasileira: são as mulheres que engravidam e cuidam das crianças. Devem ser também elas que decidem quando podem ou não ter um novo filho. Por isso, 2017 será o ano da descriminalização do aborto no Brasil. A contagem se inicia neste 8 de março.