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Dia do professor: exercitamos mal a prática de duvidar do que se posta

15 de outubro, 2018

Há urgência em desfazer o nó das emoções “nós e eles” e recuperar o “justo” como a pergunta necessária para o voto – quais dos candidatos promete deixar o mundo mais inclusivo, mais pacífico e generoso para além do que vejo como sendo o meu mundo? Só há uma resposta.

por Debora Diniz

Publicado originalmente na Revista Marie Claire

Sou professora e sempre gostei de ser aluna. Aonde vou, ensino o que aprendi – pode ser qualquer coisa, de como se fazem contas a como se tira retrato. Nos últimos tempos, passei a aprender sobre como os sentimentos e as razões movem nossos afetos e desafetos. Não encontrei uma fórmula mágica para entender o que se passa na política brasileira, mas dois conceitos martelam o meu juízo. O primeiro é o de “o que você vê é tudo que há”, o segundo é o de “efeito halo”. Parecem difíceis, mas uma boa professora deve ser capaz de simplificá-los.
Fomos treinados a ver o mundo em binarismos – bom e mau, certo e errado, e agora “eles e nós”. O mundo que lemos no WhatsApp ou que presenciamos aos domingos em casa não é tudo o que há. Nossos círculos de convívio são, em geral, muito parecidos – do trabalho à família, do lazer à leitura. Convivemos pouco para além das fronteiras de nossas redes afetivas sobre como o mundo deve ser. O resultado é que exercitamos mal a prática de duvidar do que se posta diante de nós e terminamos por acreditar que “tudo o que vejo é tudo o que há”. É assim que uns acreditam que há mesmo mamadeira com bicos em formato de pênis nas creches, que o Brasil será uma Venezuela ou que há deputado federal que defende a pedofilia. A depender do lado em que se esteja, esse pode ser o “nós” ou o “eles”.

Este raciocínio está errado. E por duas razões. Primeiro porque o mundo é muito mais complexo que o binarismo de bom e mau. Não preciso concordar com tudo que se expande além das minhas fronteiras de convívio, mas preciso saber se o que existe para além do que vejo é justo para a vida de todas as pessoas. Nenhuma crença que promova a intolerância é justa, e por isso não importa quem somos “nós ou eles”. Não há lado em disputa para o justo, pois é aí que todas as diferenças precisam se aquietar: não pode haver pensamento político de direita ou de esquerda que promova a exclusão.

O segundo erro do raciocínio binário “nós e eles” é que as emoções se movem pelo efeito halo que o líder de cada lado provoca em seus seguidores. Nossas emoções tornam-se preferências, e nossas preferências nos incapacitam a realizar um julgamento isento: passamos a rejeitar a dúvida com a desculpa de que são “notícias falsas”. O efeito halo é o que move a adoração pelas celebridades ou pelos líderes carismáticos – não importam o que façam ou falem, são adorados. Há um risco importante do efeito halo na política: o de mover multidões pelo efeito do contágio para um dos lados do binarismo. “O eles” ameaça “o nós” e a saída é desaparecer com “eles”: por isso foi preciso pichar a fachada da Igreja Católica em Nova Friburgo ou escavar a pele de uma moça que vestia uma camiseta #Elenão no Rio Grande do Sul com suásticas nazistas.

O mundo não é tudo que vejo. Nem o que leio nos grupos de WhatsApp que convivo ou nos jornais que decido assistir. Não há tempo até o segundo turno das eleições para saídas mágicas e transformadoras como dizer “leiam mais, imaginem mais, viajem mais, escutem mais”. Há urgência em desfazer o nó das emoções “nós e eles” e recuperar o “justo” como a pergunta necessária para o voto – quais dos candidatos promete deixar o mundo mais inclusivo, mais pacífico e generoso para além do que vejo como sendo o meu mundo? Só há uma resposta.

 

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