por Marília Marques
Publicado originalmente no G1
Uma a cada três famílias com filhos do Distrito Federal é composta por mulheres que criam os filhos sozinhas. O levantamento é do IBGE e mostra que o DF possui o maior índice do Brasil (31,6%), seguido de Rio de Janeiro (31,2%), Bahia (31,2%) e Sergipe (30,9%).
O índice está acima da média nacional, de 26,8%; ou seja, o arranjo familiar de mães-solo no país ocorre em uma a cada quatro famílias que possuem filhos. O estado com o menor índice é Santa Catarina. O estudo tem como base a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2015).
O levantamento considera que no Distrito Federal existem 197.952 famílias formadas somente por mulheres e seus filhos, o que representa 19,2% de todos os tipos possíveis de arranjos familiares – casais com ou sem filhos, pais solteiros ou pessoas que vivem sozinhas. O índice de pais que cuidam dos filhos sozinhos no DF é de apenas 3,3%.
Segundo a pesquisa, a mãe-solo no Brasil tem, em sua maioria, renda familiar per capita de até meio salário mínimo. Desse total, 9,9% possuem filhos menores de 16 anos. Segundo avaliação do IBGE, é “um indicador indireto de vulnerabilidade social”, já que os filhos menores de idade não podem contribuir formalmente na renda da casa, e essas mulheres costumam ter dificuldades em encontrar locais para deixar os filhos.
A pesquisa do IBGE não traça o perfil da mãe-solo no Distrito Federal. No entanto, pesquisadores avaliam que é possível que as mulheres que criam filhos sozinhas na capital do país tenham outro perfil de renda, e esta pode ser uma das hipóteses para que o DF esteja no topo do ranking.
A pesquisadora de População e Indicadores Sociais do IBGE, Cristiane Soares, explica que o peso da tradição do funcionalismo público no DF e a alta renda das mulheres no estado interferem no perfil social das mães-solo desta região.
“Se a mulher tem uma condição de estudo, uma escolaridade melhor, ela acaba assumindo essa responsabilidade [de morar apenas com o filho]. (…) Mas isso não quer dizer que o DF não tenha áreas mais pobres. Existem realidades muito diferentes [dentro de cada arranjo familiar].”
A professora de Direito da UnB Eneá de Stutz e Almeida é uma dessas mulheres que cuidam dos filhos sozinhas. A pesquisadora é mãe de Ninian, de 5 anos, e escolheu ter a filha aos 46 anos por meio da técnica da fertilização in vitro, quando o embrião já formado é implantado no útero. Ao G1 ela conta que foi casada por mais de 15 anos.
“Meu ex-marido não queria ser pai, mas eu que queria muito ser mãe. Quando passei dos 40 anos, conversamos. Nos dávamos muito bem e resolvemos nos separar para eu levar adiante o projeto de maternidade.”
Como não tinha mais idade aconselhável para utilização do próprio óvulo, Eneá gerou a pequena Ninian a partir de óvulos e sêmen doados anonimamente. A professora afirma que explicou de forma lúdica à filha sobre a decisão de ser uma mãe independente.
“Perguntavam quem era o pai ou o que eu ia dizer quando ela crescesse. Eu sempre disse a verdade, isto não é um problema para ela. Falo sobre tantas outras crianças que têm histórias diferentes e também não têm pai, mãe ou são criadas pelos avós, por exemplo.”
Atualmente, mãe e filha dividem a casa com o ex-marido de Eneá. “Minha filha chama ele de tio”, brinca.
Em maio do ano passado, a Codeplan divulgou um estudo que aponta o crescimento em 5,5 pontos percentuais no número de mulheres que adiaram a maternidade e optaram por ter filhos na faixa de 35 aos 39 anos.
A justificativa, segundo a pesquisa, é que “ao saírem para o mercado de trabalho, as mulheres passam a adiar a maternidade”. O levantamento revela ainda, que dessas mulheres que têm o primeiro filho em idade tardia, 72% possuem 12 anos ou mais de estudo.
O perfil das mulheres que são mães no Distrito Federal também difere do perfil em outras partes do Brasil. O mesmo estudo da Codeplan mostra que houve redução da taxa no grupo de mães de 15 a19 anos que gestavam o primeiro filho.
Em 1996, elas correspondiam a 39% e, em 2013, este índice reduziu para 23%. Em contrapartida, no mesmo período, o grupo de mulheres que tiveram o primeiro filho dos 30 aos 34 anos subiu de 6% para 19% e, entre as de 35 a 39 anos, de 2% para 7%.
Além das mães-solo, que optaram pela criação dos filhos sem a presença de um cônjuge, o Distrito Federal também registra um grande número de mulheres jovens, mas de baixa renda, que não optaram pela maternidade independente, mas criam ou gestam os filhos sozinhas.
É o caso de Manoela, nome fictício de uma jovem brasiliense de 19 anos, grávida de 9 meses da primeira filha. Ela contou ao G1 que cursava o 9º ano do ensino fundamental e estava namorando quando descobriu a gravidez.
“Até então o namoro era mil maravilhas, mas quando eu falei da gravidez, ele [o então namorado] disse ‘se vira’. Ele queria que eu tirasse, mas eu decidi que não. Sempre fui contra o aborto e aquilo ficava na minha cabeça. Mas, ao mesmo tempo, eu olhava para os lados e me via sem condições. Eu fiquei desesperada.”
Na época do fim do relacionamento, Manoela morava com uma amiga e não possuía renda. “Quando você vai ser mãe e tem uma casa, um trabalho ou uma estrutura, você fica feliz, mas quando não tem, você entra em desespero. Eu ainda estava indo atrás de minha vida, de estudar e trabalhar”, explica a jovem, que ainda carrega um sentimento de culpa pela maternidade não planejada.
“Como foi uma irresponsabilidade minha, eu tenho que arcar com isso.”
Apesar da diferença de idade, a estudante de Direito J.N., de 32 anos, enfrenta os mesmos desafios que Manoela na maternidade-solo. Ela é mãe de três crianças, um casal de 7 e 14 anos, que atualmente mora com o pai, e de um bebê de 5 meses que está sob a guarda dela.
J.N. vive em uma casa de apoio a mulheres que desistiram de abortar, em Samambaia Norte, no Distrito Federal. De acordo com a estudante, o pai de seu último filho é usuário de drogas e, por este motivo, se afastaram no sétimo mês de gravidez.
“Eu me desesperei, estava desempregada e passando várias dificuldades. Pensei em tirar, mas não tinha mais como.”
A estudante conta que, como o pai do bebê é dependente químico, começou a vender as coisas de dentro de casa e ela resolveu voltar para a casa dos pais, onde não foi aceita.
“Meu pai não me aceitou. Me vi sem emprego, com um bebê e no meio da rua.”
Mesmo com o filho recém-nascido, J.N. procurou por emprego, mas, segundo ela, a vaga foi negada. “Criar um filho sozinha é muito difícil. É ainda mais complicado entrar no mercado de trabalho e retomar a vida na sociedade.
Quando se está sozinha com um filho, você é muito discriminada, as pessoas não te respeitam, as portas se fecham e os próprios familiares viram as costas. Agora, faz parte dos meus planos ser delegada e ajudar as mulheres que sofrem violência, que foi o que aconteceu comigo.”
Segundo a doutora em antropologia pela Universidade de Brasília Débora Diniz, é possível que o alto índice de mães do Distrito Federal que criam filhos sozinhas possa estar concentrado na periferia de Brasília.
“O DF tem grande margem de desigualdades sociais. A concentração de mães-solo pode estar em cidades satélites, nas mulheres mais pobres e filhas de migrantes. Mas, para explicar o que acontece, é preciso identificar onde elas estão localizadas. Precisamos saber outros dados do perfil, já que o DF tem uma composição regional muito diversificada para falarmos em um perfil.”
Diniz acrescenta que, para a mãe-solo, jovem e de baixa renda, que corresponde ao perfil médio brasileiro, é necessário o apoio de políticas públicas que contemplem a assistência social. A antropóloga destaca o acesso à creche e a programas de transferência de renda.
“Há uma ambiguidade tremenda no fato de essa mãe ser muito jovem, ser uma cuidadora, ter que voltar para escola e ainda precisar de renda. Só que ela normalmente é pouco qualificada e, assim, como vai sustentar o filho? O mais importante é que essa adolescente consiga voltar à escola”, afirma.