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Publicado originalmente no Portal Justificando
Sigilo médico é um direito dos pacientes. Adoecer, sentir dores e desconfortos, pedir ajuda, examinar o passado em busca do que possa ajudar a entender o corpo fragilizado no presente pode exigir uma grande exposição. É preciso confiar no profissional de saúde a quem se permite vasculhar segredos, é preciso saber que as informações reveladas têm como única finalidade permitir o acolhimento, o cuidado.
O Brasil leva a sério o sigilo médico: a proteção à intimidade e à vida privada é direito fundamental previsto na Constituição; o Código Penal ameaça com até um ano de detenção quem violar segredo profissional; o Código de Ética Médica proíbe o médico de divulgar um prontuário médico sem autorização por escrito do paciente, mesmo que seja para atender ordem judicial.
O problema é que o Brasil não leva a sério as mulheres. Há 10 anos, em 10 de abril de 2007, uma operação policial invadiu uma clínica de planejamento familiar de Campo Grande (MS). Televisionada em tempo real, a invasão policial devassou 9.862 prontuários médicos de mulheres que haviam se consultado na clínica ao longo dos anos. Anexados a processos judiciais, os registros de suas necessidades de saúde ficaram expostos ao escrutínio e especulação alheias por vários meses. O motivo da fúria misógina do chamado “Caso das 10 mil” foi uma cruzada anti-aborto: identificar, amedrontar, expor e punir mulheres que decidiram não seguir com uma gestação e as profissionais de saúde que as teriam atendido.
1200 pacientes e funcionárias da clínica foram indiciadas. Não importava que mulheres encontraram na clínica um raro espaço de acessar informação e conhecer possibilidades para sua vida reprodutiva, não importava que as supostas provas da prática de aborto foram obtidas de forma ilegal. Importava apenas usar o poder penal para passar a mensagem: os corpos das mulheres e seus segredos médicos pertencem à polícia, ao Estado, aos agressores. Nunca a elas mesmas.
Para muitas mulheres pacientes da clínica, o desfecho foi aceitar uma suspensão condicional do processo, submetendo-se por dois anos à vigilância periódica do Estado que lhes devassou a vida: assinar listas de frequência em varas judiciais, prestar serviços comunitários, esperar uma chance nova de ter direito à intimidade. Passados 10 anos, as previsões legais de sigilo médico seguem firmes e fortes. Mulheres seguem com medo de que suas necessidades de saúde virem pretextos para invasão de suas vidas. Nós esperamos que o Supremo Tribunal Federal não se esqueça disso ao julgar a ADPF 442 de descriminalização do aborto.