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Descoberta do zika no Brasil provocou mágoa entre pesquisadores

29/08/2016 02h02 - Atualizado às 08h10

CLÁUDIA COLLUCCI DE SÃO PAULO

29 de agosto, 2016

O casal Joselito e Maria Carolina com a filha Maria Gabriela, que tem microcefalia

Publicada originalmente em Folha de São Paulo, em 29 de agosto de 2016.

As descobertas científicas nunca são solitárias. Fazem parte de um amplo jogo de quebra-cabeças em que vários pesquisadores concorrem simultaneamente.

Essa regra é recorrente na história da ciência e com a descoberta do vírus do zika no Brasil não foi diferente. Houve muita solidariedade entre os cientistas brasileiros, mas sobraram desavenças.

É o que mostra a antropóloga Debora Diniz, professora de bioética da Universidade de Brasília, em seu instigante livro “Zika, do sertão nordestino à ameaça global” (Editora Civilização Brasileira), que será lançado na quarta (31), em Brasília.

A primeira “biografia” do zika no Brasil conta a saga da descoberta do vírus e a relação com a microcefalia a partir de relatos de pessoas do front da tragédia: pesquisadores, médicos e mulheres nordestinas infectadas pelo vírus cujos bebês tiveram danos cerebrais.

Debora também não abriu mão do método científico: fez uma revisão da literatura acadêmica, 31 entrevistas e participou de dezenas de reuniões nacionais e internacionais de saúde pública e bioética sobre a epidemia do zika.

A autora, que foi infectada pelo vírus durante a pesquisa do seu trabalho anterior, o documentário “Zika”, transporta o leitor para dezembro de 2014, quando uma doença misteriosa começou a circular no sertão nordestino.

Os pacientes a definiam como uma “alergia medonha”. Os sintomas eram febre baixa, coceira e vermelhidão pelo corpo, que sumiam em poucos dias.

Médicos começaram a compartilhar imagens e queixas dos pacientes. Nas fotos, manchas vermelhas apareciam em pedaços de pernas, solas dos pés, bochechas.

Resultados de exames de sangue eram inconclusivos. Poucos acusavam dengue, mas os sintomas não batiam.

Em meio a bíblias da medicina tropical e da infectologia, o zika passou despercebido. Até que, em 13 de março, Kléber Luz, médico de Natal (RN) escreveu a um colega: “Veja a descrição do vírus do zika, acho que é ele”.

Enquanto o grupo esperava resultados de testes mais específicos, feitos na Fiocruz do Paraná, outros pesquisadores, da Bahia, anunciavam a descoberta do vírus, em 29 de abril, em entrevista à imprensa em Salvador.

Ao mesmo tempo que houve reconhecimento na primazia da descoberta, sobrou dor de cabeça ao grupo baiano. Foi submetido a sabatinas, as amostras de sangue foram remetidas a uma segunda investigação, além da acusação de importação ilegal do material usado na pesquisa.

MICROCEFALIA

Houve mágoas também no capítulo seguinte da epidemia, os primeiros casos de microcefalia. Era setembro de 2015, quando neurologistas e obstetras de Pernambuco e da Paraíba começaram a perceber um aumento de casos de bebês com microcefalia e calcificações cerebrais.

Querendo dar uma resposta às pacientes, a médica Adriana Melo decidiu, com a autorização das gestantes Géssica e Conceição, extrair o líquido amniótico e investigar a presença do zika.

Neurologista Vanessa Van Der Linden observa tomografia de bebê com microcefalia

O material foi enviado para análise na Fiocruz do Rio de Janeiro. Em 16 de novembro houve a confirmação de que o zika havia sido identificado no líquido amniótico.

Na mesma noite, Adriana deu pistas da pesquisa a um programa de TV da Paraíba. Em 18 de novembro, a Fiocruz se pronunciou oficialmente, porém, não fez referência alguma à médica.

O anúncio do Ministério da Saúde confirmando a relação entre o zika e os casos de microcefalia viria dez dias depois, com exames feitos pelo Instituto Evandro Chagas, em Belém (PA), a partir de bebê nascido no Ceará e que morreu logo depois do parto.

Para Debora, houve um jeito brasileiro de fazer ciência e anunciar descobertas. “Os resultados foram primeiro divulgados na imprensa antes de serem publicados pela comunicação científica. Médicos de beira de leito e cientistas nordestinos foram os que desbravaram a epidemia, tinham urgência em falar, em serem reconhecidos, mas queriam se proteger.”

“Essa estratificação social da ciência não teve surpresa, pois não se subvertem padrões de distribuição desigual de recursos com um único conhecimento.”

No lançamento, haverá um bate-papo com o casal Maria Carolina Flor e Joselito Alves, pais de Maria Gabriela, cuja história aparece no livro. A família vive em Esperança (PB) e alimenta um blog sobre o dia a dia da filha e compartilha outras notícias sobre casos de microcefalia e zika.

Zika – Do sertão nordestino à ameaça global

AUTORA Debora Diniz

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