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Das redes sociais à academia: dever de argumentação e de igualdade

5 de abril, 2017

por Sinara Gumieri

Publicado originalmente no Portal Justificando

Marlene de Fáveri é professora de história da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), onde ministra a disciplina História e Relações de Gênero. Em suas pesquisas, faz perguntas sobre as formas como mulheres foram e são representadas na mídia, em imagens, em discursos políticos.

Ana Carolina Campagnolo é professora de história do ensino básico de Chapecó (SC). É cristã e antifeminista, em suas próprias palavras. Em publicações em redes sociais, diz coisas como “ Eu não consigo ver as feministas repetindo esse papo cansativo de opressão e machismo e não pensar que elas gostam e pedem pra apanhar entre quatro paredes”; “Um sábio do Oriente viajou três décadas pelo deserto (…) em busca do Baú da Verdade. Encontrou, abriu e nele estava escrito: trans não é mulher!”; “Como se deve reagir a quem luta pelo padrão social lésbico, que faz vista grossa ao incesto, apresenta pautas de pedofilia e incita o desrespeito aos próprios pais?”

Os caminhos das duas se cruzaram quando Ana Carolina iniciou um mestrado em história, em 2013. Como seu projeto de pesquisa tinha como tema “Virgindade e Família: Mudança de Costumes e o Papel da Mulher Percebido Através da Análise de Discursos em Inquéritos Policiais de Chapecó”, a Universidade determinou que Marlene seria sua orientadora.

Não tardou até que Marlene tomasse conhecimento sobre as posições públicas assumidas por sua orientanda, seguida por mais de 30 mil pessoas no facebook. Em um email à estudante, expressou a preocupação: “Você tem todo direito de ser antifeminista ou conservadora, mas não combina com o teu tema de pesquisa, nem com as práticas que temos acerca das conquistas feministas. Vamos conversar sobre isso, e peço a gentileza de analisar melhor as coisas que faz compartilhar, ok? Está se expondo de forma equivocada, talvez. Ou seria mesmo assim que pensas? Não sei. Respeito as tuas ideias, mas vamos dialogar sobre elas”.

A incompatibilidade teórica impediu que Marlene seguisse orientando Ana Carolina. A estudante pode escolher outro tema e professor orientador para seguir seu percurso de pesquisa. A história poderia ter terminado aí: desencontros na orientação acadêmica são rotina das universidades.

Mas em julho de 2016 Ana Carolina decidiu processar a ex-orientadora, exigindo-lhe uma indenização de mais de R$ 17 mil por danos morais, por “discriminação, intimidação e ameaça velada via e-mail, exposição discriminatória e humilhação em sala de aula, tentativa de prejudicar academicamente a autora”. Alega ter sofrido perseguição ideológica e discriminação religiosa, e tornou-se porta-voz do Escola Sem Partido, o impraticável projeto que pretende impedir que se debata em sala de aula qualquer ideia não aprovada pela religião e moralidade de pais de estudantes.

Os percalços acadêmicos de Ana Carolina, no entanto, apontam para algo diferente. Um aprendizado que é dos mais importantes em qualquer espaço de educação: universidade é lugar de dúvida e dissenso, mas liberdade de expressão não é passe livre para discriminação. É verdade que falar o que se quer é mais fácil em redes sociais do que na universidade, porque ali afirmações pedem mais do que ironia ou likes: exigem argumentos, evidências e a lembrança permanente do compromisso constitucional com a igualdade.

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