Uma visitinha rápida do novo prefeito de São Paulo ao fluxo mandaria uma mensagem ao povo de rua e a todos nós
por Débora Diniz
Publicado originalmente na Carta Capital
O novo prefeito de São Paulo quer fazer bonito com o povo. João Doria se vestiu de gari e foi ver a realidade das ruas. Não sei se precisaria de tanto, tal como se vestir de quem não é para entender a dureza de quem limpa as ruas da maior cidade do país.
Admirei as fotos daquele homem importante vestido de verde reluzente com curiosidade, mas sempre quero crer nas boas intenções dos que podem mudar a vida de multidões.
Entre os dias 16 e 21 de janeiro, Doria terá outra oportunidade de se aproximar da realidade vivida: será a semana da diversidade da beleza.
Onde? Na Cracolândia.
Ali é o território de gente da rua que sobrevive pelas calçadas do maior fluxo de uso de crack da América Latina. Se o prefeito nunca esteve por ali, a ocasião é uma visita bonita e arrisco dizer bem-vinda.
Dezenas de pessoas, entre voluntários e empresários, se movem para perto de quem as más-línguas descrevem como “zumbis” ou “crackeiros”.
Estive por ali algumas semanas filmando o documentário “Hotel Laide” e posso garantir: se seguir no passo certo e com gente certa, não haverá risco ao prefeito.
Cheguei ao fluxo com uma das trabalhadoras da prefeitura, Carmen Lopes, uma assistente social que transita por todos os cantos e é respeitada pelo trabalho de cuidado, escuta e garantia de direitos.
Carmen é uma das que acredita que limpar as unhas e cortar os cabelos é uma forma de redução de danos para os que vivem na fissura da droga. Como? É simples.
Primeiro, por se sentir diferente, pois tomar banho é uma prática difícil para quem vive no asfalto. O autocuidado é um passo essencial para conversar sobre como sair devagar da pedra.
Há mais, no entanto, e essa é a peça mais sofisticada para quem só ouve a superficialidade da palavra “beleza”: para cortar o cabelo é preciso que outra pessoa toque o sujeito do asfalto, aquele indivíduo a meio caminho do zumbi e do bandido que nos amedronta.
Os dias da beleza, me explicou Carmen, são dos poucos instantes em que aquele povo da rua é tocado por gente que só foge quando os vê.
A semana da diversidade da beleza pode até parecer uso inútil do tempo ou de recursos do Estado, pois como pensar em estética para quem dorme pelo chão e come o que os garis catam? É preciso ouvir quem vive no território para entender a delicadeza da iniciativa.
Os dias da beleza são estratégicos para aproximar os trabalhadores da prefeitura do povo da rua, são momentos de criação de laços e vínculos. Imaginem que sinal de reconhecimento daria o prefeito se por ali aparecesse nos dias da beleza.
Nem peço tanto quanto fez com os garis; não precisa ir para cortar o cabelo ou aparar as unhas. Basta uma visitinha rápida ao verdadeiro povo da rua: dirá a eles e a nós que aquela gente importa.
Ainda é tempo do gestor estreante aprender com o povo da rua e as trabalhadoras da prefeitura que não se cuida de saúde com ameaça de confinamento.
A confiança não se estabelece só pela oferta de auxílios para trabalho, mas principalmente pelo cuidado, pelo toque, ou se preferirem pelo afeto que só o encontro entre as pessoas pode oferecer.