Cecília França
Publicado originalmente na Lume Rede de Jornalistas
O presidente Jair Bolsonaro já explicitou sua visão contrária aos preceitos dos direitos humanos em mais de uma ocasião. Como deputado, e mesmo durante a campanha eleitoral, ele reiterou sua visão de que ativistas dos direitos humanos “só defendem bandidos”, além de reforçar a máxima “direitos humanos para humanos direitos”. Agora, cinco meses após o início de seu mandato, a Anistia Internacional faz um alerta sobre os rumos adotados pelo governo.
Ao lançar a ação “Brasil para todo mundo”, nesta semana, a organização fez um alerta: o discurso antidireitos humanos que marcou toda a trajetória política de Bolsonaro está começando a se concretizar em medidas e ações que ameaçam e violam os direitos humanos de todas as pessoas no Brasil.
Dentre as medidas concretas citadas pela organização estão:
“Em outubro de 2018, logo após o fim do processo eleitoral, alertamos que as posições de Bolsonaro representavam um risco concreto para os direitos humanos no País. Temos acompanhado atentamente seu governo, e, infelizmente, nossa preocupação começa a se justificar”, afirma Jurema Werneck, Diretora Executiva da Anistia Internacional no Brasil, em matéria publicada no site oficial da organização.
“São medidas que podem afetar milhões de pessoas. E, para nós, um país justo não exclui seus cidadãos. Um Brasil justo é um Brasil para todo mundo”, completa.
A Lume ouviu outras organizações envolvidas na defesa dos direitos humanos, como a Anis: Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, que atua junto a entidades sociais, políticas e educativas, assessorando e advogando os princípios dos direitos fundamentais das mulheres, da Bioética feminista e da Justiça entre os gêneros.
Gabriela Rondon, pesquisadora e consultora jurídica da Anis, é enfática ao responder se os direitos humanos estão sob ameaça hoje no Brasil. “Sim, nós temos hoje um governo que desdenha abertamente da tradição de proteção aos direitos humanos. Essa postura é adotada no discurso e também na prática. O Ministério de Direitos Humanos (atualmente unido às pastas da Mulher e da Família) adota uma perspectiva que exclui do seu âmbito de incidência setores antes especificamente voltados a direitos LGBT, por exemplo”, expõe.
Rondon lembra que, recentemente, representantes do Brasil na CSW/ONU (Comissão da ONU sobre a Situação das Mulheres) pediram a retirada de menção a “direitos sexuais e reprodutivos” da formulação final de documento elaborado na conferência, por entender que a expressão remete a aborto. “Ignora-se uma série de outros temas neste campo, como gravidez na adolescência, educação sexual e acesso a contraceptivos”, completa.
Imagem distorcida
Por que ativistas dos direitos humanos tomaram a forma de “defensores de bandidos” no imaginário nacional? As causas são diversas, nas opiniões dos ativistas, mas todos concordam que pessoas em privação de liberdade são as que têm seus direitos básicos mais negligenciados, o que acaba por demandar mais das entidades de direitos humanos.
Para Gabriela Rondon, no entanto, a resposta é complexa.
“Esse é um fenômeno que exige múltiplas camadas de análise sociológica, que dê conta de entender a sensação de insegurança que permeia a vida em sociedades desiguais de instituições frágeis. Mas é possível destacar uma explicação. Na raiz da invenção dos direitos humanos está a busca por meios normativos, além de políticos, de conter a possível ação autoritária de Estados contra seus cidadãos. O campo em que as garantias conquistadas por uma tradição de defesa dos direitos humanos fica mais clara é o campo penal, aquele que por definição implica na maior intervenção do Estado na vida de alguém, ao usar de sua violência punitiva”, detalha.
A pesquisadora afirma que não há momento mais crítico para definir os limites do Estado do que na imposição de uma pena.
“É cabível pena de morte, pena perpétua, castigos? Parâmetros de direitos humanos põem limites a estas perguntas. A questão é que, por vivermos em sociedades profundamente desiguais, com sistemas punitivos estruturalmente seletivos, muitas camadas da população interpretam que a proteção não aplica a si – porque a ameaça de punição tampouco aplica a si”, conclui.
Paula Vicente, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB Londrina (Ordem dos Advogados do Brasil/Subseção Londrina), acrescenta que o papel da mídia colabora para esta visão errônea e limitada do que são os direitos humanos por destacar apenas a atuação no sistema prisional.
“Mas quem defende direitos humanos vai defender o direito à educação, ao transporte público, à saúde. A gente faz vistoria em UPAs também (Unidades de Pronto Atendimento), mas ninguém vê. Não dá manchete”.
Vicente acredita que a ameaça aos direitos humanos tenha sido institucionalizada a partir da vitória do atual governo, ainda que a seletividade da justiça, que acaba punindo com mais rigor os vulneráveis, sempre tenha existido.
“A gente tem o chefe máximo da nação que acha isto uma bobagem e alardeia isso aos quatro cantos, então, virou a escória. Logo depois da redemocratização, e até 2016, as coisas vinham numa aparente normalidade. Mas condenações injustas sempre aconteceram, não é de agora”.
Carlos Enrique Santana, representante em Londrina do Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH), é ainda mais taxativo. Para ele os direitos humanos nunca tiveram um bom momento no Brasil, nem mesmo nos governos mais alinhados com a esquerda. Mas agora, para ele, “os direitos humanos estão morrendo no Brasil”.
“A minha perspectiva é da garantia do direito à vida. Como você garante isso se um pai de família não tem emprego, não tem moradia, ele procura o Estado na saúde pública e não tem aporte nenhum, ele procura os direitos de Justiça e não tem. E eu não volto isso para uma pessoa, eu volto essa destinação que o Estado tem que fazer para todos os cidadãos de forma igualitária ”, defende.