[vc_row][vc_column width=”1/3″][/vc_column][vc_column width=”2/3″][vcex_navbar menu=”6″ button_color=”black” font_weight=”” hover_bg=”#c7aae2″][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]“A zika ainda precisa de respostas”
Matéria de Paloma Oliveto publicada originalmente por Revista Encontro, em 31 de agosto de 2016.
Há pouco mais de um ano, zica era só uma gíria usada para descrever algo ruim, que deu errado. De uma hora para outra, porém, outra zika entrou para o vocabulário nacional, denominando uma enfermidade desconhecida, ameaçadora, que se tornou o pesadelo de mulheres em idade reprodutiva. Os primeiros casos da “doença misteriosa”, como era chamada no início, não pareciam ameaçadores. Mal-estar, coceira, erupções de pele… mas, então, vieram os bebês.
As maternidades nordestinas começaram a registrar um número anormal de recém-nascidos com o perímetro cefálico reduzido. Enquanto o restante do país ainda não prestava tanta atenção no problema, médicos de Pernambuco, Paraíba, Bahia e Alagoas investigavam com afinco a associação entre um possível novo vírus e as crianças com microcefalia. Tomaram para si essa missão. Sem recursos financeiros, lançaram mão das ferramentas disponíveis para pesquisar: trocavam informações por WhatsApp, usavam a imprensa para comunicar achados, metiam-se sertão adentro, atrás dos casos intrigantes. E confiavam em Deus. Acreditavam na iluminação do Alto como guia de seus passos.
É essa história que conta a antropóloga, documentarista e escritora Debora Diniz em seu novo livro, Zika: Do Sertão Nordestino à Ameaça Global. Um exaustivo trabalho de pesquisa – incluindo 31 entrevistas e monitoramento de mais de 5 mil reportagens – revela a gênese de uma descoberta, temperada por elementos do fantástico nordestino e pela forma tipicamente brasileira de superar barreiras. Contudo, também é uma narrativa da desigualdade, com pesquisadores do Centro-Sul levando as glórias, enquanto os colegas Bahia acima lutavam por reconhecimento. E, principalmente, essa é a história de mulheres que, até hoje, aguardam uma resposta que a ciência ainda não é capaz de lhes dar.
O seu primeiro trabalho autoral sobre a doença foi o documentário Zika. O que a levou a sair de Brasília para ver essa história de perto?
O documentário foi uma forma de dizer: eu preciso mostrar, é preciso ver para crer. Essa é uma tradição nordestina – tudo abaixo da capitania hereditária de Pernambuco é sul do país. O documentário teve um papel importantíssimo, porém reduzido, porque, dada a nossa explosão de imagens, a narrativa por imagem parece que dá o contorno de uma ficção. Por mais que você saiba que é um documentário, por mais que você mostre que aquela mulher é real, você chora. Mas o nosso treino é tão forte para fazer uma aproximação visual como se fosse uma peça ficcional que isso fica subentendido. Foi a partir daí que eu vi que precisava contar a história com o livro. Esse é um trabalho que talvez a imprensa fizesse muito melhor que eu, em termos de tempo real. É um livro que, no momento em que é publicado, no dia seguinte já tem novas descobertas, e esse é o papel da imprensa: informar e pesquisar em tempo real. Por isso, a minha escolha no livro foi fazer uma história a partir do que seria atemporal, que foi o processo da descoberta pela memória, o processo da história oral e da vivência das mulheres. E costurar com a ciência, mas sabendo que a ciência, um dia, já está ultrapassada. Para isso, a urgência me ajudava. A memória daqueles médicos e das mulheres estava fresca, as controvérsias estavam acesas; eles queriam contar a história, então eu tinha acesso a todos os arquivos documentais. Essa é uma história imersa numa controvérsia. Ela não é uma história pacífica. É de uma disputa por financiamento, por quem vai se manter e por visibilidade.
Então, por outro lado, também é uma história muito bonita…
Muito bonita, e de gente anônima. Talvez, o anonimato e a periferia os obrigaram a ser uma multidão, uma matilha. Senão, eles não funcionariam. O laboratório do doutor Gubio, comparado ao de outros laboratórios do Sul do país, é quase uma garagem. E teve outra particularidade dessa descoberta, que é o espírito fantástico do nordestino. Todos eles eram muito religiosos e entendiam que havia uma missão. Então, não é à toa que o grupo de WhatsApp se chame “Chikungunya, a missão”. A primeira vez que vi, pensei: “Será que esse nome é por causa do Rambo?”. Eu achei que era. Escrevi para um deles e perguntei de onde veio “a missão”. Achei tão tosco… Mas não, era a missão religiosa de evangelização dos jesuítas na Argentina e no Paraguai no século 18, em que eles iam para os interiores para o grande salvamento das almas. Isso é muito forte! Quem cria cria com esse nome? A primeira mulher que doou o material para pesquisa disse: “Eu sou muito católica. Foi para o bem da humanidade”. A religiosidade está em todos eles. Nas mulheres e nos médicos.
Você acha que a publicação do seu livro provoca os dois grupos?
Eu acho que sim, acho que ele tem papel muito importante, que é o registro de uma memória. Muita coisa vai ser corrigida, vai ser descoberta. Eu não contei a história toda. O Rio de Janeiro teve uma participação muito importante. Os pesquisadores da Fiocruz voltaram às amostras de dengue de 10 anos atrás. Mas fiz uma escolha por não ir ao Rio de Janeiro. Deve ter histórias ramificadas que o livro não conta. Ele vai ter, por um lado, um sentimento de desforra, para os nordestinos, mas ele vai ter uma recepção para o Sul de “A ciência não se faz assim, foi só um desvio de rota esses caras terem descoberto isso”. Eu acredito que ele terá recepções muito diferentes.
A situação que você mostra no documentário, de falta de assistência médica, piorou?
Está agudizada. Antes, havia 40 pacientes, hoje tem-se 110 (em Campina Grande, PB). Em fevereiro, as crianças tinham estimulação precoce duas vezes por semana, agora é uma só, de meia hora. Porque o sistema de saúde não comporta. Meia hora. Uma das mães com que conversei anda seis horas para ir e seis para voltar para meia hora de estimulação precoce. Isso não existe. Nenhuma das 110 mulheres voltou para o mercado de trabalho. Elas trabalhavam como domésticas, agricultoras. Agora, é cuidado com as crianças em tempo integral.
Alguma delas fala em arrependimento de ter tido a criança?
Não. Eu diria por duas razões. A primeira é que vivemos uma cultura de centralidade da criança e, na nordestina, isso é mais intenso. A segunda é que a maternidade com total dedicação, de uma criança especial, tem esse sentido mágico, o de “Deus me elegeu”. Os grupos (de mães) fazem esse papel de hipermaternagem. Mesmo algumas mulheres que já tinham múltiplos filhos e não tinham essa centralidade na criança passam a ter. Por um lado, essa criança fica muito bem tratada. Uma avaliação das equipes de saúde é que, em alguns casos, os óbitos dessas crianças estão sendo retardados por uma hipermaternagem. Mas, por outro lado, o sentido da vida (das mulheres) passa a ser cuidadora. Com a precarização do Estado, não há nada a colocar no lugar, para criar bem essa criança. Isso exige que pensar políticas sociais seja pensar políticas para essas mulheres, não só para crianças.
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