por Patrícia Zaidan, Denise Pellegrini e Iracy Paulina | Consultoria técnica: Marina Ganzarolli, advogada
Publicado originalmente na Claudia
Este dossiê, preparado por CLAUDIA, aponta o que é preciso mudar no país para que as mulheres tenham cidadania plena. Sem os avanços, aposentar mais tarde significaria novos prejuízos às brasileiras. Trata-se de uma reflexão sobre especificidades de gênero, o que, não raro, escapa aos legisladores, que atuam como se homens e mulheres tivessem direitos iguais. Não têm. Mesmo com o projeto de reforma da Previdência do governo abrandado pelo relatório do deputado Arthur Maia (PPS-BA), a injustiça persiste.
As brasileiras se aposentariam aos 62 anos, os homens aos 65, com todos contribuindo por quatro décadas. Chegar aí custará dez anos de suor a mais para elas (um terço além dos 30 anos que precisam recolher hoje). Eles contribuem por 35 e pagariam cinco anos a mais (um sexto). Junta-se a isso as tarefas da casa e da família, que a mulher ainda não conseguiu dividir com o homem.
É urgente lembrar: a maioria das mulheres não consegue atingir a meta e se aposenta por idade (60 anos), com o mínimo de 15 anos de contribuição (que se elevaria a 25), recebendo uma aposentadoria proporcional. Com as novas regras, e tomando por base a média da contribuição feminina (22 anos), 47% jamais conquistariam benefício algum, calcula o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário. Embora tenham maior escolaridade, mulheres formam o principal contingente de desempregados e de mão de obra informal do país. Suas carreiras são intermitentes, porque se afastam mais do emprego para cuidar dos filhos, dos velhos e dos doentes da família.
Como falta divisão de tarefas domésticas, elas empenham oito horas semanais além do parceiro, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Isso perfaz 5,4 anos de trabalho extra, ao longo de uma vida laboral de 22 anos”, afirma Joana Mostafa, pesquisadora da instituição. O texto da PEC 287/2016, em tramitação, ainda faria professoras se aposentarem como os colegas do sexo masculino, aos 60, e elevaria a idade mínima da trabalhadora rural de 55 para 57 anos.
O nosso documento não pede privilégios, mas mostra que o Estado deve às brasileiras o cumprimento de leis de equidade e a criação de outras que garantam todos os seus direitos. Falamos de um país extremamente violento, que mata 13 mulheres por dia, vitima especialmente as negras, criminaliza o aborto, ignora a necessidade de apoio para o cuidado na família e legisla sem as mulheres – pois são minoria no Congresso Nacional. Listamos seis áreas nas quais é fundamental buscar progressos.
A reforma sugerida por CLAUDIA vai além da que será votada a partir deste mês na Câmara dos Deputados e depois no Senado. O dossiê explica aos parlamentares as mudanças imprescindíveis para construirmos uma sociedade equilibrada.
Leia abaixo, ponto a ponto, as nossas propostas.
Em 1995, as mulheres chefiavam 23% dos lares. Vinte anos depois, comandavam 40%, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Isso demonstra como a carga sobre a brasileira é crescente, pois soma a jornada de casa à do trabalho externo. Para aliviá-la, não basta a divisão de tarefas entre os membros da família, entende Flávia Biroli, professora do Instituto de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UnB): “Precisamos de políticas públicas de cuidados para crianças e idosos”.
“Mulheres ficam grávidas, se atrasam, faltam por causa dos filhos…” Essa afirmação preconceituosa está na raiz da falta de equidade no trabalho. Além de combater a cultura arcaica, medidas práticas podem reverter a situação.
O aborto é a quinta causa de morte materna no país. E a criminalização dele é um dos motores dessa realidade. Para a socióloga Maria José Rosado, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e uma das coordenadoras do grupo Católicas pelo Direito de Decidir (CDD), “não há cidadania para quem, proibido de interromper um processo em seu corpo, coloca a própria vida em risco”. Há dificuldade até nos casos admitidos por lei – gravidez por estupro e risco de morte para a mulher – e, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no caso de anencefalia do feto. “Só 37 serviços, no país inteiro, executam o procedimento, segundo o Censo do Aborto Legal de 2015”, ressalta Debora Diniz, pesquisadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis). Além disso, ocorrem obstáculos no atendimento. “Frequentemente, as mulheres são submetidas a regimes de suspeição sobre se estariam enquadradas em um dos casos de aborto legal, especialmente quando são vítimas de violência”, observa Diniz. Mudar esse quadro e enfrentar outros desafios na saúde requer coragem.
Treze mulheres assassinadas por dia. Esta triste estatística põe o país em quinto lugar entre as nações mais cruéis – atrás apenas de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia. O dado é do Mapa da Violência 2015 – Homicídio de Mulheres no Brasil, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). “Essas mortes são a ponta do iceberg”, alerta a advogada Marina Ganzarolli, cofundadora da Rede Feminista de Juristas. “Antes do desfecho extremo, a mulher sofre diversas formas de violência, marcadas pela desigualdade de gênero.” Conquistamos marcos legais importantes para enfrentar a questão. A Lei Maria da Penha, de 2006, é um deles. Ela trouxe inovações no combate à violência doméstica e familiar e tornou claros ataques que antes eram tidos como aceitáveis, caso das agressões verbal e psicológica, que não ferem fisicamente mas destroem a autoestima e a autoconfiança da mulher. Em 2015, avançamos mais com a entrada em vigor da Lei do Feminicídio, que alcança inclusive os assassinos que não mantêm relações com as vítimas. Mas para a sociedade eliminar as mortes evitáveis, muitas ações precisam ser adotadas.
A educação de um país deve refletir seu projeto de sociedade. Uma relação entre homem e mulher mais cooperativa passa por uma escola acolhedora e focada na formação ampla do cidadão.
Nossos direitos precisam ser garantidos em leis. Mas as mulheres não estão em peso no Congresso, não conduzem as discussões e pouco influenciam os homens para aprovar as regras que queremos. Embora as brasileiras formem 51,5% da população, na Câmara elas são 9,94%, e no Senado, 16%. “É uma vergonha o que passamos diante do mundo”, diz a deputada federal Soraya Santos (PMDB-RJ), coordenadora dos Direitos da Mulher na Câmara. Não é para menos: em março, o Brasil ocupava a 153a posição no ranking de presença de legisladoras, segundo a União Interparlamentar Internacional. “Entre os países das Américas, só não perdemos para Haiti e Belize”, destaca a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), procuradora especial da mulher no Senado. “Sem a presença delas nas diferentes instâncias políticas, a democracia não se completa”, alerta Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres Brasil. “A paridade de gênero é condição fundamental para qualquer setor, para o mundo e a humanidade.”