por Sinara Gumieri
Publicado originalmente em Carta Capital
Uma das cadeiras de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) está vaga desde a trágica morte de Teori Zavascki. Cabe ao presidente não-eleito Michel Temer nomear o novo ministro, num momento delicado em que, como potencial investigado – porque mencionado em delações da Operação Lava Jato – ele poderia ter a oportunidade de escolher seu potencial julgador.
Enquanto Temer espera baixar a poeira do futuro das investigações de corrupção no país para fazer sua indicação ministerial, os rumores de candidatos crescem. Diante dos nomes absurdos cotados para o cargo, uma pergunta une muitas espectadoras: é pedir muito que o novo ministro seja alguém que respeita a Constituição?
Parece que é. Ives Gandra Martins Filho é um dos nomes mais comentados. Atual ministro do Superior Tribunal do Trabalho, é um jurista conservador, que frequentemente fundamenta posições sexistas e homofóbicas em suas concepções cristãs sobre o destino das mulheres na maternidade e a necessidade de pênis e vagina procriadores para a formação de família.
Eis que as espectadoras decidiram tornar o protesto mais didático: lançaram uma anticandidatura ao STF. A candidata é a professora de direito da Universidade de Brasília Beatriz Vargas Ramos. Beatriz é uma criminóloga crítica que sabe que droga é questão de saúde e de regulação, não de polícia; que cadeia não resolve problema social criado pela desigualdade de classe e cor; que colocar meninas e meninos pobres e pretos atrás das grades cada vez mais cedo é desperdício de futuro, dos dois lados da grade.
É também uma feminista que luta pela descriminalização do aborto. É uma ativista de direitos humanos que defende a luta de movimentos sociais para concretizar o que a Constituição Federal chama de função social da propriedade, de direito à educação, à saúde e à moradia, de erradicação da pobreza, de não discriminação, de igualdade.
Mobilizada por mulheres, a anticandidatura já tem mais de 2500 assinaturas de apoio, e chama atenção por soar ao mesmo tempo tão próxima de batalhas progressistas da sociedade brasileira e tão distante do atual governo não-eleito e do próprio STF.
O contraste diz muito sobre a ideia patriarcal que temos de quem devem ser os ministros da mais alta corte do país: homens brancos, mais velhos e fluentes em português rebuscado, cujo notório saber jurídico exigido pela Constituição aparentemente pode ser confundido com manuais de direito em que se diz que “não há que se falar, pois, em matrimônio entre dois homens ou duas mulheres, como não se pode falar em casamento de uma mulher com seu cachorro ou de um homem com seu cavalo”, ou que “o princípio da autoridade na família está ordenado de tal forma que os filhos obedeçam aos pais e a mulher ao marido”, como fez Ives Gandra Filho.
Se estar na lista de mais cotados para ministro do STF não é sinônimo de defender a Constituição, ao menos sabemos que Beatriz Vargas Ramos vai seguir defendendo-a mesmo sem estar lá.