“Eles começam com crianças de seis anos de idade. Eles têm uma caixa com um buraco. Daí cada aluno tem que por o dedo e rodar”, assim me explicou um colega professor universitário sobre como eram as aulas de educação sexual oferecidas pelas escolas públicas. O susto não foi só meu, mas de um grupo que ouvia o relato. Outro colega, mais intempestivo que eu, preciso confessar, retrucou: “Cara, você acredita mesmo nisso?”. O assunto se encerrou ali. Exatamente este precisa ser nosso início de conversa sobre educação sexual nas escolas: você sabe do que está falando quando se diz contra educação sexual nas escolas? Você acredita nessas histórias que falam por aí? Primeiro, desconfie disso que alardeiam como fantasias sexuais alheias. São os homens adultos, talvez seu pai, irmão, avô, ou você mesmo, quem sonha com caixas furadas para treinar o dedo tímido. Não acredite nisso que espalham por aí como sendo o kit gay para as escolas. Não há nem revistas de mulheres nuas (leitura que foi comum a muitos dos homens moralistas contrários à educação sexual de seus filhos) tampouco vibradores ou chicotes nas salas de aula. A professora não vai à escola vestida de espartilho, nem o professor de caubói. Não há nada de cenas de filme pornô ou gemidos, menos ainda visitas a saunas repletas de homens que, na vida cotidiana, negariam de pés juntos conhecimento de tão animado lugar. Segundo, se inquiete com isso que descreve como imoralidade das escolas que falam em gênero ou sexualidade. Se você é um homem ou uma mulher adulta, volte ao seu passado adolescente. Como aprendeu sobre gravidez, práticas sexuais ou doenças sexualmente transmissíveis? Foi em sua casa, na mesa do jantar, com seu pai lendo em voz alta um livro de anatomia? Ou foi no banheiro sozinho ou em conversa ao pé de ouvido com seus colegas? Vamos, seja honesto: suas dúvidas e inquietações foram sempre escondidas do convívio doméstico. Se sua família fez diferente, ou se você faz diferente, considere-se uma alma iluminada e feliz, mas essa não é a realidade das famílias brasileiras.
Terceiro, e diferente de sua geração, não importa qual seja ela, seu filho tem acesso a múltiplas formas de informação, visualização e jeitos de praticar sexo – decente, indecente ou mesmo criminoso, veja o caso da pedofilia – que você, nem em sonho, conseguirá controlar. A internet é que deve ser o seu tormento diário: e não só a rede de sua casa, mas a do celular do vizinho ou a de um café com Wi-Fi aberto. Imagine agora que mundo perigoso para a sua filha que não aprendeu, onde deveria aprender de maneira civilizada, honesta e aberta, sobre como se proteger da investida de um tarado pedófilo pela internet. Ela não aprendeu, porque você a proibiu de falar de sexo e persegue as escolas que reconhecem como dever a educação sexual.
Por isso, se acalme. Seu filho não será um pervertido porque aprendeu como se proteger de uma gravidez não planejada, porque aprendeu que há riscos no sexo sem camisinha, ou porque soube que há múltiplas formas de prazer. A fantasia do dedo é só uma das formas que sua filha aprenderá sozinha ou com outras meninas sobre como explorar o corpo, mas não será esse o conteúdo da educação sexual nas escolas.
Mas é um jeito de começar a afastar a sexualidade do pecado e colocá-la na vida comum, sem medos ou segredos. Se quer mesmo fiscalizar o que seu filho aprende, faça mais do que fantasiar caixas e buracos: compareça às reuniões da escola e conheça o conteúdo das matérias (fique atento à física; meu conselho: ali há muito conteúdo subversivo sobre a origem do mundo e sobre sermos filhos dos macacos).
E se você é uma das pessoas contrárias ao aborto, porque o que não faltam são formas de se prevenir uma gravidez, pensa então ainda mais uma vez. É nessas aulas que sua filha e outas meninas podem entender o que é a gravidez, como acontece e como prevenir. Participe da escola como um espaço de promoção da cidadania.