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16 perguntas para entender o pedido de aborto legal de Rebeca Mendes ao STF

25 de novembro, 2017

por Andréa Martinelli

Publicado originalmente no HuffPost Brasil

“Rebeca sabe o que é a maternidade, e por exercê-la com responsabilidade, está segura de não poder ter um terceiro filho”, explica a antropóloga Debora Diniz.

DEBORA DINIZ/ANIS-INSTITUTO DE BIOÉTICA
Em carta à ministra Rosa Weber, Rebeca Mendes afirma que ao descobrir gravidez sentiu um “abismo se abrindo e me sugando cada vez mais para baixo”.

Antes de me julgar, ministra Rosa Weber, peço que me escute, pois não é fácil, mas tentarei descrever o motivo do meu atual sofrimento.

É assim que Rebeca Mendes, paulistana de 30 anos e mãe solo de dois filhos, inicia sua carta a ministra Rosa Weber, entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta semana. Em seu texto, a estudante de direito, trabalhadora e chefe de família, reivindica o direito de fazer um aborto em condições seguras e o de não ser presa por isso. Rebeca nunca interrompeu uma gravidez, e está com atraso menstrual de menos de 3 semanas (gravidez de seis semanas).

Este é o primeiro caso de pedido judicial de aborto por vontade da mulher até a 12ª semana no Brasil e o primeiro na América Latina com um caso concreto. “Rebeca é apenas o nome e a biografia de todas as anônimas”, afirma Debora Diniz, antropóloga e membro da Anis – Instituto de Bioética ao HuffPost Brasil. O instituto, junto com o PSOL, apresentou o pedido de interrupção da gravidez da estudante ao STF.

O documento apresentado à Justiça conta a história de Rebeca e pede que seja concedido em caráter de urgência à estudante e a “todas as mulheres o direito constitucional de interromper a gestação, e dos profissionais de saúde de realizar o procedimento”. Caso seja aprovado, pode fazer com que o aborto seja permitido para todas as mulheres no Brasil até a 12ª semana de gravidez.

Para a antropóloga, a história de Rebeca é única e comum a outras mulheres que fazem aborto no Brasil. “As histórias de aborto no Brasil são de clandestinidade e risco. Rebeca sabe o que é a maternidade, e por exercê-la com responsabilidade, está segura de não poder ter um terceiro filho”, explica.

Uma em cada cinco mulheres até 40 anos já fez, pelo menos, um aborto no Brasil, segundo estimativa da Pesquisa Nacional do Aborto (PNA). Muitas precisam recorrer ao abortamento ilegal e estima-se que um milhão de procedimentos, em geral inseguros, são realizados por ano no Brasil, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). A cada dois dias uma mulher morre por complicações decorrentes do aborto ilegal no País.

Até o momento, não há previsão de que o pedido apresentado seja votado pelo STF. Ao HuffPost Brasil, Debora Diniz explica o que foi apresentado ao STF, quais os argumentos utilizados e o que poderá acontecer se caso o STF não decidir a liminar em tempo, ou se ela for contrária ao pedido de Rebeca:

HuffPost Brasil: O que exatamente foi apresentado ao STF?

Debora Diniz: Uma ação com reforço dos pedidos feitos na ADPF 442, em março de 2017. Nesta nova ação, lembramos dois fatos urgentes à ministra Rosa Weber, relatora da ação: a) 330 mil mulheres já fizeram aborto em condições ilegais e inseguras desde a propositura da ação, segundo projeções a partir da Pesquisa Nacional do Aborto de 2016; b) Rebeca não quer fazer parte desses números clandestinos, por isso pede o direito legal de interromper a gestação. A ação pede uma liminar, isto é, uma autorização emergencial para o STF.

Quais foram os argumentos utilizados para o pedido?

Argumentos constitucionais de defesa da dignidade, liberdade, cidadania, saúde e a estar livre de maus tratos. Rebeca se sente presa ao próprio corpo e vive impactos em sua saúde mental. Em suas palavras, “eu me sinto torturada por não poder decidir”. Em laudo médico psiquiátrico que acompanhou a ação, há informações de que ela se encontra sobre um quadro de stress agudo, sob riscos de agravamento de seu quadro de saúde, com impactos para o feto e para seus filhos.

Por que Rebeca não quer prosseguir com a gestação?

Há três razões. A primeira é que sempre foi cuidadosa com sua saúde reprodutiva, e a gravidez aconteceu em um período de troca de métodos anticonceptivos: usava injeção e queria utilizar o DIU. É usuária do SUS, foi à consulta em setembro e só receberia o DIU após exame ultrassonográfico que foi marcado para dezembro. A segunda é que, em dois meses, estará desempregada e, nas suas palavras, “não se contrata mulher gestante neste país”. A terceira é que não tem condições financeiras e emocionais de ter um terceiro filho com o ex-marido. Seu maior sonho é concluir a faculdade de direito para oferecer maior bem-estar aos dois filhos de 6 e 9 anos.

Quais as razões para que ela tenha optado pela via judicial e não por outros métodos clandestinos?

Nas suas palavras, “porque não quero morrer, quero viver para cuidar de meus dois filhos”. Antes de buscar essa via, Rebeca procurou informações sobre métodos clandestinos, recebeu oferta de medicamentos abortivos, porém optou por cumprir a lei e buscar métodos seguros. Rebeca é estudante de direito e trabalhadora com contrato temporário no IBGE atualmente. Ela Recebe pensão do ex-marido para os filhos (em torno de R$ 900,00) e salário de R$ 1.250,00. É chefe de família e mora sozinha com as duas crianças, em casa alugada por R$ 600,00. Sonha ser advogada e quer o direito de fazer um aborto em condições seguras e o de não ser presa. Rebeca nunca fez um aborto, e está com atraso menstrual de menos de 3 semanas (gravidez de seis semanas).

Qual a importância deste caso no contexto atual do Brasil?

Rebeca é a primeira mulher a procurar proteção judicial para um aborto voluntário. Os litígios que existem no país foram em caso de má-formação fetal (anencefalia foi o que chegou ao Supremo Tribunal Federal) ou os que acusam mulheres de aborto (em São Paulo, a Defensoria Pública entrou, em setembro deste ano, com habeas corpus a 30 mulheres que eram investigadas por aborto). Rebeca busca proteção judicial antes de realizar o aborto.

Em que a história de Rebeca é única e comum a outras mulheres que fazem aborto?

Ela é única pela coragem de ter se exposto publicamente. As histórias de aborto no Brasil são de clandestinidade e risco. Ela é comum por três razões: a) o perfil de Rebeca é o da mulher que faz aborto no Brasil – jovem, com filhos, trabalhadora; b) Rebeca sabe o que é a maternidade, e por exercê-la com responsabilidade, está segura de não poder ter um terceiro filho; c) fazia uso de métodos de planejamento familiar e intercorrências na mudança de métodos a deixaram em risco de uma gravidez.

O que poderá acontecer se o STF não decidir a liminar ou se ela for contrária ao pedido de Rebeca?

Nas palavras de Rebeca, “eu não consigo imaginar, eu viverei maior angústia da que já vivo agora”. Ela será obrigada a se manter grávida contra sua vontade, com riscos de agravamento de seu quadro de sofrimento mental, com impacto para o feto e para os seus dois filhos.

Como vocês acham que ministra Rosa Weber irá responder ao caso?

Estamos confiantes que ministra Rosa Weber tem em mãos a oportunidade histórica de mudar o quadro de sofrimento de milhares de mulheres do País. É uma juíza sensata, razoável e ponderada que, em votos anteriores, mostrou uma leitura coerente da Constituição Federal em questões próximas, como anencefalia e células-tronco. Ela tem condições e evidências para conceder uma liminar – as 330 mil mulheres anônimas e Rebeca esperam por ela.

Por que a ação de Rebeca apareceu neste momento político do País em que se vota a PEC “Cavalo de Troia” no Congresso Nacional?

O momento não foi criado por nós, mas pela vida das mulheres. A cada minuto uma mulher faz aborto no Brasil – Rebeca é apenas o nome e a biografia de todas as anônimas. Esperamos que outras mulheres se somem a ela na luta judicial. Este caso não é uma resposta ao Congresso Nacional, mas um movimento de proteção à vida de Rebeca. Assim, não há momento certo ou errado: há o exato momento em que uma mulher procurou amparo judicial à sua demanda.

Esse caso não irá provocar a reação conservadora no Congresso Nacional?

Esta pergunta está errada pela falsa presunção de causalidade. Explico. A voz conservadora já estava posta no Congresso Nacional antes de os casos de aborto chegaram ao STF. Se há causa e efeito aqui é ao revés: é pela onda conservadora de restrição integral dos direitos reprodutivos das mulheres (em caso de estupro e risco de vida) que as mulheres têm buscado o Judiciário. A ordem histórica de fatos é, primeiro, a onda conservadora e fanática, em segundo, a resposta das mulheres.

Este caso pode ter repercussões negativas para a ADPF 442?

Esta não é nossa hipótese. Há 8 meses, o caso espera por movimentação no STF, o pedido de Rebeca oferece um rosto e biografia à abstração do caso anterior.

Essa matéria não deveria ser decidida pelo Congresso Nacional ao invés do STF?

Esta é uma matéria constitucional e o STF é o espaço de interpretação constitucional. Em 1940, quando o Código Penal foi estabelecido, aborto era uma prática de grave risco à saúde das mulheres, a tal ponto que os excludentes de punição (estupro e risco de vida) são considerados atos médicos. Naquele momento não havia conhecimento médico para identificar uma gravidez em momento tão precoce quanto é o caso de Rebeca. É preciso uma revisão constitucional do Código Penal pelo STF – isto é, sua atualização de acordo com os princípios constitucionais.

O STF não estaria legislando ou fazendo ativismo judicial se conceder liminar à Rebeca?

Não. Por, pelo menos, duas razões. A primeira porque há uma situação de risco iminente à Rebeca e às milhares de mulheres que, diariamente, fazem aborto em condições inseguras. É dever da suprema corte proteger os direitos fundamentais violados nestes casos. A segunda é pelo dever do STF de analisar a constitucionalidade de leis, como é o caso dos artigos do Código Penal que criminalizam o aborto. Eles precisam ser revistos à luz da Constituição Federal de 1988.

E se Rebeca mudar de ideia? O que acontece?

Ela é livre para mudar de ideia a qualquer momento. Está informada, lúcida e esclarecida sobre todas as possibilidades diante de sua decisão.

O que pode ser feito a partir de agora?

Duas coisas. Precisamos contar a história de Rebeca para o mundo – ela precisa ser diariamente lembrada, pois cada dia é decisivo para seu direito ao aborto. Isso significa divulgar sua história em redes sociais, escrever artigos, falar em debates, participar de manifestações. Think Olga e Anis iniciaram uma campanha #PelaVidadeRebeca. A segunda é convidarmos outras mulheres a se somarem à Rebeca em pedidos judiciais de aborto legal.

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