por Debora Diniz
Publicado originalmente na Carta Capital
O anúncio prometia “ótima oportunidade”. O título era ainda mais convidativo – “juntas somos mais fortes”.
A proposta oferecia um quarto para dormir à estudante que fosse cozinheira e faxineira. Havia ainda um rapazinho de bons modos para ser cuidado. Não haveria salário, pois a criadora da proposta foi explícita – “não posso pagar uma babá registrada”.
Na verdade, ela queria uma empregada doméstica multiuso e a saída foi oferecer escambo: muito trabalho em troca de dormida. O “juntas” era só uma nova forma de descrever o que sempre foi o quarto de empregada na casa dos patrões – um resquício da escravidão.
A idealizadora da proposta não se acanhou com as críticas; disse ser uma “proposta feminista”: maternidades compartilhadas, várias mulheres e seus filhos em uma mesma casa.
Seu sonho, inclusive, seria ir a programas de televisão para melhor se explicar e, quem sabe, transformar a ideia em iniciativa nacional.
Bem, este não era o tom do anúncio em que o convite era para mulheres com habilidades de cozinheira, faxineira e babá oferecerem seus serviços em troca de uma cama para dormir.
Se a proposta fosse mesmo feminista deveria constar os horários em que haveria rodízios nos serviços: se a estudante fosse também mãe, quem tomaria conta de seu filho para continuar os estudos? Como seria feito quando a estudante adoecesse? E os finais de semana? Há direito a visita íntima ou visitas de familiares?
Eu quero crer nas boas intenções da anunciante. Um projeto plural de maternidades pode ser interessante a um mundo em que as mulheres são chefes de família solitárias. Mas que tal iniciar com suas colegas de trabalho? Diz o anúncio que a idealizadora é uma designer paulista.
Certamente haverá mulheres de sua vizinhança, também mães sozinhas com filho, que aceitarão o projeto de convivência em troca de rodízios das atividades domésticas. Por que iniciar com alguém distante de sua classe social?
Há uma resposta, talvez inadvertida à idealizadora: porque quarto para dormir em troca de serviços domésticos é a herança colonial do Brasil.
Foi assim que as mulheres brancas e da elite se fizeram mais fortes – em troca do trabalho servil e explorado de outras mulheres negras e nordestinas.