Hoje o Supremo vota ação sobre a epidemia de zika, que inclui também o aborto para mulheres grávidas contaminadas. E para o debate avançar, precisamos superar mitos que alimentam o sentimento de ultraje e fanatismo.
por Débora Diniz
Publicado originalmente em AzMina
A suprema corte enfrenta hoje, 7 de dezembro de 2016, a ação sobre a epidemia do vírus zika. Há efeitos desastrosos da epidemia na vida de mulheres e crianças. A ação judicial é muito maior do que o pedido de direito à interrupção da gestação se a mulher estiver infectada com o zika e em sofrimento mental. Mas só se fala de aborto, e de aborto por microcefalia no feto. Alguns falam até no escândalo da eugenia. Não é verdade. O erro ou a mentira alimentam sentimentos de ultraje moral sobre a descriminalização do aborto. Compartilho três argumentos para arrumarmos nossa conversa pública sobre aborto.
As pesquisas mostram que o povo brasileiro é contra o aborto
Pesquisas de opinião são diferentes de pesquisas sobre práticas de aborto. Quando se pergunta a uma pessoa, “você é contra ou a favor do aborto?”, há um rosto à espera da resposta. O aborto é crime e a moral hegemônica diz ser o aborto algo errado ou imoral.
Para alguns, aborto é até mesmo um pecado. Papa Francisco cuidou das mulheres e transformou o aborto em pecado com perdão. Mas há ainda vergonha em se falar sobre aborto. Ou melhor dizendo, medo, muito medo de ser presa ou de morrer. A resposta esperada à pergunta errada é se posicionar “contra o aborto”, como se houvesse uma resposta correta, indiferente a como se viva uma gravidez não planejada.
Mas há outro erro na pergunta – por que aborto seria um tema para alguém ser contra ou a favor?
Não poderíamos deixar as pessoas decidirem o certo e o errado para suas próprias vidas? Mas, para a ciência, a pergunta certa só pode ser uma: você já fez aborto? Cerca de uma em cada cinco mulheres, aos 40 anos, já fez um aborto no Brasil. É uma mulher por minuto no Brasil. Mais de meio milhão em 2015. Por isso, a segunda pergunta certa é: você acha que a mulher que fez aborto deveria ser presa? Não podemos esquecer, o aborto é um crime com prisão. Sua mãe, irmã, tia, avó, filha, uma mulher de sua rede de afeto ou família seria presa por um aborto – todos nós conhecemos mais de cinco mulheres aos 40 anos. Uma delas já fez aborto.
Assim, não confunda pesquisa de opinião com pesquisa sobre práticas. As mulheres fazem aborto, o povo se declara contra o aborto. São duas coisas diferentes – práticas não são opiniões, e aborto não é tema para decisão de maioria, mas para proteção de direitos fundamentais.
O Supremo vai legalizar o aborto eugênico
A ação de zika foi proposta em agosto deste ano. É um pacote de medidas urgentes para proteger as mulheres e as crianças afetadas pela epidemia. O vírus zika é transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, por transmissão sexual e outras formas ainda estão sendo estudadas. Há uma epidemia em curso no Brasil, cujo epicentro é o Nordeste brasileiro.
As ações do governo brasileiro foram insuficientes para proteger as necessidades de vida das mulheres – poucas sabem sobre o risco do zika na gravidez, não sabem como evitar de maneira segura uma gravidez em tempo de epidemia, muitas sofrem por adoecerem de zika e estarem grávidas. Até mesmo uma medida básica como a inclusão do repelente contra mosquitos para as mulheres grávidas não foi realizada pelo governo brasileiro.
E a ação é sobre isso tudo – acesso à informação; ampliação de métodos contraceptivos; inclusão do repelente e direito à interrupção da gestação, se a mulher estiver com zika e em sofrimento mental.
Mas há ainda mais urgências: para as mulheres com seus filhos afetados pelo zika, a ação pede direito ao transporte público para acessar os cuidados de saúde e assistência social com transferência de renda. Repito: não é uma ação sobre aborto, menos ainda sobre aborto eugênico. É um ação sobre direitos fundamentais de mulheres e crianças nas terras do zika.
O Supremo descriminalizou o aborto no caso da clínica de Duque de Caxias
Não é verdade. O voto do Ministro Luís Roberto Barroso mostrou a urgência de a corte enfrentar o aborto em termos constitucionais, isto é, como uma ameaça ao direito à saúde, à integridade, à segurança. A criminalização do aborto – mandar uma mulher para a cadeia por ter feito um aborto – foi revista no voto como um equívoco jurídico em nosso ordenamento político.
A Constituição Brasileira deve corrigir legislações ultrapassadas e desarmônicas aos princípios fundamentais. Um dos princípios a serem lembrados em qualquer conversa sobre aborto é o de estar livre de tortura: nenhuma mulher pode correr riscos à saúde, expor-se à clandestinidade, por uma criminalização indevida de sua vida reprodutiva. O Supremo não alterou o entendimento da lei penal de aborto: foi apenas um voto, certamente, um prólogo importante do que a Corte poderá ainda enfrentar, mas não houve mudança da lei penal.
As três verdades nos ajudam a enfrentar o fanatismo lançado pelos casos do supremo. O debate deve ser racional, nossas paixões e sentimentos não podem movimentar o que construiremos como justo para as mulheres. São mulheres religiosas as que também fazem aborto: mais de 2 milhões e meio de mulheres católicas já foram perdoadas pelo Papa por terem feito aborto. Elas esperam o perdão do supremo.
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