Bernardo Gonçalves cansou de esperar atendimento em um hospital público. Criou uma campanha online para arrecadar dinheiro para fazer uma mamoplastia masculinizadora. Bernardo é um homem trans, e o busto faz-lhe viver encurvado e apertado em uma faixa compressora. A cirurgia lhe permitirá esticar a espinha e caminhar sem dor pela rua, respirar melhor enquanto ensina crianças a tocar instrumentos musicais. Procedimentos ambulatoriais e cirúrgicos de redesignação corporal para pessoas trans são realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2008. Mas os hospitais que os fazem são poucos, e a fila é de muitos anos. Além disso, para o SUS, a sexagem do nascimento é quase destino; para que não seja, não bastam vivências como a de Bernardo, é preciso que autoridades biomédicas – psiquiatras, psicólogos, médicos – façam laudos.
A batalha de Bernardo é uma pista das dificuldades enfrentadas por pessoas trans para a garantia de direitos. Há muitas outras na página da vaquinha do rapaz: a caixa de comentários está repleta de insultos. A cada manifestação odiosa, Bernardo pacientemente lembra o óbvio – a doação é voluntária –, e aproveita para apresentar outros pedidos de solidariedade que podem interessar à turma raivosa. O financiamento coletivo para acabar com a transfobia não cabe em campanha na internet; talvez caiba em orçamento federal para que escolas ensinem sobre gênero e discriminação contra pessoas fora da norma heterossexual. Enquanto isso não acontece, Bernardo segue dando aulas de música e de resistência.