Toda escola tem que tomar partido, de Debora Diniz.
Publicado originalmente por HuffPost Brasil, em 27 de julho de 2016.
Toda escola pública tem um só partido – o de promoção da cidadania. Quem diz isso é a Constituição Federal, ao definir o objetivo da educação.
O slogan “escola sem partido” é provocativo, mas tolo, pois se resume a um convite aos que não pensam e adoram frases feitas.
Não conheço defensores de assembleias político-partidárias nas escolas – o que se pretende esconder não é o DEM ou o PT, mas o pensamento livre. Sem liberdade de pensamento não há democracia; sem democracia não há cidadania. Por isso, toda escola tem que tomar partido: o do justo, o da igualdade, o da promoção de um mundo sem discriminação.
Ao gritar “escola sem partido”, o que os defensores do movimento pedem é a escola como um reservatório de crianças para aprender contas de somar ou subtrair e decorar os nomes dos rios ou dos ex-Presidentes da República. Algo como ter sido aluna nos anos de chumbo da ditadura militar: sei de cor a ordem dos estados do Nordeste e sei fazer contas mirabolantes sem calculadora, mas geografia foi matéria sobre solos e rios – nada sobre cidades, migração ou pobreza.
Li A moreninha e o mito das três etnias, mas nada de Macunaíma ou Vidas Secas. O curioso desse giro histórico é que os conservadores urbanos que, hoje, pedem escola sem pensamento são os netos ou bisnetos dos patriarcas de engenho ou dos cafezais que acreditavam ser a escola o corretivo para o menino bruto. Na escola havia palmatória e sofrimento, pois esse era o espaço de repetição e decoreba. Escola boa era a que ajeitava menino rebelde.
Aprender é sempre duvidar; repetir é doutrinar. Para formar cidadãos livres e críticos, a escola precisa incentivar a dúvida nos estudantes. A escola deve perturbar as certezas dos miúdos e das famílias, das igrejas e dos políticos. A criança precisa sair da escola diferente de como foi criada no berço – é na cadeira da escola que aprenderá que houve ditadura, escravidão, discriminação. Que mulher não é feita para lavar louça, e que homem não nasce bruto. É na escola que aprenderá que bullying é nome diferente para prática terrível, a discriminação.
É assim que a escola precisa provocar a curiosidade sobre o desconhecido: as famílias e as igrejas são alternativas à educação das crianças, mas não podem ser as únicas fontes de aprendizado e estímulo. Uma escola pública é um templo em que os valores constitucionais são reproduzidos e ensinados; por isso, não há escola que se distancie da cidadania como um valor.
De um jeito provocativo, prefiro dizer que toda escola pública brasileira deve assumir seu partido, no sentido mais simplório do termo pelo dicionário: “associação de pessoas unidas pelos mesmos ideais”. Pela escola com partido – a escola cidadã.