Por Anis – instituto de bioética
Desde setembro, quando foi publicada, a Resolução 2.232/19 do Conselho Federal de Medicina, que cria novos obstáculos à recusa terapêutica, vem sendo alvo de diversos questionamentos de órgãos como Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União e entidades da sociedade civil. Trechos da resolução que se referiam especificamente a mulheres grávidas inclusive já foram suspensos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo nesta semana.
Mas esses não são os únicos problemas da resolução, argumenta a ADPF 642, protocolada ontem no Supremo Tribunal Federal pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pela Anis – Instituto de Bioética, com suporte da clínica jurídica de direitos humanos e direitos sexuais e reprodutivos da Universidade de Brasília, Cravinas. A ação sustenta que todo o texto da resolução deve ser considerado inconstitucional por representar uma interferência do CFM em tema fora da sua competência – o direito de todas as pessoas de recusar tratamentos médicos e a forma de fazê-lo.
O ato do CFM restringe a possibilidade de recusa apenas a tratamentos eletivos, por exemplo – aqueles que podem ou não ser realizados, conforme a conveniência do paciente. A norma pode, entre outras coisas, retirar a autonomia de pessoas em estágio terminal de doenças e sua possibilidade de decidir sobre tratamentos paliativos.
Além disso, põe em risco o direito à autonomia de pessoas com deficiência, crianças e adolescentes e idosos, ao impor que as decisões do médico podem se sobrepor ao direito do paciente de recusar algum procedimento, mesmo quando assistido por terceiros. Para pessoas com doenças transmissíveis ou grávidas as violações são particularmente graves porque permitem a imposição de tratamentos forçados.
Segundo o PSOL e a Anis, toda a resolução deve ser suspensa, já que o Conselho Federal de Medicina extrapola sua competência e viola o princípio da legalidade, preceito fundamental da Constituição Federal. Tais direitos vinculados ao acesso à saúde apenas poderiam ser alterados por lei.
Outras resoluções de Conselhos de Medicina questionadas
A ação insiste na importância de um pronunciamento do STF diante de diversos outros atos normativos que vêm sendo editados por conselhos regionais de medicina para restringir direitos de pacientes.
Dentre elas está, por exemplo, a Resolução nº 136/1999 do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (CREMERJ), que permite a transfusão de sangue contra a vontade de pacientes, o que fere diretamente os direitos das pessoas Testemunhas de Jeová. Uma resolução de conteúdo semelhante do CFM foi questionada ao STF também este ano pela Procuradoria-Geral da República. Diversas outras violam especificamente os direitos de mulheres grávidas, e viraram alvo de ações civis públicas. O CREMERJ proíbe a participação de médicos em partos domiciliares e veda a participação de doulas, obstetrizes e parteiras, durante e após o parto.
Em texto semelhante ao do conselho de Santa Catarina, o CREMERJ também vedou a adesão de médicos a documentos em que mulheres expressam suas preferências sobre o parto. Felizmente esta resolução foi anulada na última semana pela 12º Vara Federal do Rio de Janeiro, sob o entendimento de que viola os direitos das mulheres grávidas e dos profissionais. Mas a insistência dos conselhos em normatizar fora de sua competência segue sendo uma ameaça e fonte de insegurança no acesso à saúde.
Por isso, a ação apresentada por PSOL e Anis afirma que é preciso uniformizar o entendimento acerca da competência dos Conselhos de Medicina e corrigir as interferências dos conselhos de classe em direitos fundamentais garantidos pela Constituição.