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O “Guia de Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento”, da Secretaria de Atenção Primária, do Ministério da Saúde, chamou atenção nesta semana por sugerir que o governo federal investigue mulheres que fizeram aborto legal em decorrência de um estupro.
“Não existe aborto ‘legal’ como é costumeiramente citado. Todo aborto é um crime”, diz um trecho, na página 14, que foi considerado uma tentativa de inibir um direito previsto por lei.
Para especialistas e ativistas dos direitos reprodutivos ouvidos por Universa, o texto restringe ainda mais o acesso ao aborto ao colocá-lo sob investigação. Se o ministério não tiver provas de que houve um estupro, a vítima seria, portanto, considerada criminosa e poderia responder por isso.
O que diz a lei?
A legislação brasileira sobre o aborto ainda é considerada bastante restritiva na comparação com outros países do mundo, ou seja, é possível interromper a gravidez em poucas situações. De acordo com o Código Penal Brasileiro, ele só pode ser feito em três situações:
Considerado “crime contra a vida”, ele é debatido nos artigos 124, 125 e 126 do Código Penal de 1940.
A legislação definiu que violência sexual e risco de vida são situações em que o aborto é considerado necessário. Já a questão da anencefalia consta no artigo 128 e entrou em vigor mais recentemente, em 2012, após avaliação do Supremo Tribunal Federal (STF).
Posso ser presa?
Quem realiza o aborto fora dessas situações está sujeito a pena de prisão de até 3 anos. A pessoa que auxilia o aborto pode ser condenada a até 4 anos.
A antropóloga Debora Diniz, professora da UnB (Universidade de Brasília) e pesquisadora nas áreas de gênero e direitos reprodutivos, reforça que o documento leva a uma violação da confidencialidade médica e revitimização das mulheres. “É uma transformação do lugar da vítima de uma das experiências mais brutais, que é o estupro, em suspeita. Ter que se explicar após isso nada mais é do que uma tortura a essas mulheres. É muito grave”, diz.
Procurado por Universa, o Ministério da Saúde não respondeu por que publicou afirmações em desacordo com a Constituição. A pasta informou apenas que “vai realizar audiência pública para ouvir a sociedade e especialistas sobre o conteúdo do Guia de Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento”.
A criminalização no país gera problemas. Mas, “se todas as mulheres fossem punidas pela lei atual, teríamos hoje 3 milhões de famílias que ficariam sem mães, ou cujas mães teriam passado pela prisão em algum momento da vida”, ressalta a Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.
Além disso, há grandes custos: no Brasil, cerca de metade das mulheres que realizam abortos inseguros precisam ser internadas. São 250 mil mulheres a cada ano, conforme documento da entidade.
Como é fazer um aborto legal no Brasil
Gabriela Rondon, advogada e pesquisadora na Anis, explica que o processo de interrupção da gravidez, se dentro das restrições impostas pela legislação brasileira, deveria ser rápido, mas não é o que acontece.
Em tese, bastaria que a mulher ou menina fosse a qualquer serviço de saúde que oferece cuidado obstétrico, fosse enquadrada em alguma das hipóteses legais e realizasse o procedimento. Para os casos de violência, por exemplo, basta a história da mulher, em combinação com os exames que comprovam a gravidez.
“Infelizmente, sabemos que não é assim que ocorre. Pouquíssimos serviços de fato oferecem o procedimento no Brasil. Há muitos obstáculos, estigma e desconfiança das mulheres. É frequente que se demore tanto ou que a mulher ou menina seja remetida a tantos hospitais diferentes em busca do serviço que não consiga mais fazer”, diz a especialista.
O ginecologista e obstetra Jefferson Drezett, especialista em gravidez decorrente de estupro, ressalta que o aborto no Brasil é também uma questão de desigualdade social extrema, que assume contornos diferentes de acordo com o nível social e econômico.
Enquanto as mulheres negras são as que tem mais chance de serem criminalizadas, as brasileiras que têm recursos podem entrar com defesa perante à Justiça ou até viajar para países onde o aborto é legalizado e feito de maneira segura, sem colocar a vida em risco.
Em Portugal, por exemplo, uma brasileira não consegue usar o sistema público de saúde português, por não ser uma cidadã do país, mas é encaminhada ao setor privado, que tem “preços bastante razoáveis”, segundo Drezett, que coordenou por anos o serviço de aborto legal no centro de referência de São Paulo, o Hospital Pérola Byington.
Quando se está em outro país, mesmo que a autoridade brasileira tenha ciência do aborto, não há possibilidade de criminalizar. Hoje, 73 países lidam com o abordo de forma descriminalizada: Argentina, Austrália, França, Porto Rico, Portugal, Espanha, Uruguai, entre outros.
De qualquer forma, “são sempre histórias muito difíceis”, que envolvem risco de morte ou violência sexual, além de um forte estigma. “Não há nenhuma solidariedade, interlocução ou empatia —e a maioria das mulheres se declara católica ou evangélica”, explica o especialista.
“O que eu posso dizer é que nunca conheci, até hoje, um caso de uma mulher que não tenha tomado essa decisão de interromper a gravidez após um processo muito, muito intenso de reflexão, com grande carga de sofrimento.