por Marcella Fernandes
Publicado originalmente no HuffPost Brasil
Uma comissão especial da Câmara dos Deputados que trata da licença-maternidade em casos de bebês prematuros aprovou nesta quarta-feira (8) a chamada PEC “Cavalo de Troia”. A Proposta de Emenda a Constituição 181/2011 determina que “a vida começa desde a concepção”, a fim de barrar a descriminalização do aborto no Brasil em todos os casos.
O parecer do relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 181/2015, deputado Tadeu Mudalen (DEM-SP) altera dois artigos da Constituição para definir que a vida começa na concepção. O texto foi aprovado por 18 votos a um e segue para plenário, onde precisa de 308 votos, em duas sessões, para seguir para o Senado.
Orientaram contra PT, PCdoB, Psol e PSS. As outras legendas orientararam a favor. Os destaques serão votados no dia 21 de novembro.
O relatório altera o artigo 7º da Constituição, para que a licença-maternidade se estenda, além dos 120 dias, ao tempo em que um recém-nascido prematuro fique internado, contanto que o benefício não passe de 240 dias.
Além desse artigo, contudo, Mudalen sugere outras duas alterações constitucionais. O artigo 1º, que trata dos fundamentos do Estado, passa a ter a expressão “desde a concepção” quando trata da “dignidade da pessoa humana”. O mesmo termo foi incluído no artigo 5º, que passa a garantir “a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção”.
Por usar o projeto sobre licença-maternidade para tratar de aborto, a PEC foi apelidada por movimentos sociais de “Cavalo de Troia”.
Caso a PEC seja aprovada pelo Congresso e promulgada, ela não altera automaticamente as previsões legais do aborto, mas abre caminho para que isso aconteça. “É uma estratégia sorrateria porque não diz abertamente que é uma restrição ao aborto”, afirma a advogada e pesquisadora do Anis – Instituto de Bioética, Sinara Gumieri.
De acordo com a especialista, se a emenda à Constituição for aprovada, ela irá criar uma insegurança jurídica, o que pode levar a um questionamento no STF (Supremo Tribunal Federal) e eventualmente a um retrocesso para o aborto legal. “Seria um respaldo para mais violações de direitos das mulheres”, afirma.
Em nota, a Anistia Internacional repudiou a PEC e lembrou a tentativa de criminalização do acesso ao aborto nos casos já previstos na legislação viola obrigações do Brasil frente a tratados internacionais e que mulheres víitmas de estupro não podem ser expostas “a um tratamento degradante, cruel e de extrema violência física e psicológica”.
O Estado tem o dever de garantir o aborto seguro e legal, para casos de estupro, agressão sexual ou incesto, risco à vida ou a saúde da mulher, ou comprometimento fetal grave. Além de oferecer às mulheres acesso ao atendimento de qualidade após o aborto, especialmente nos casos de aborto realizados em condições inseguras.Qualquer proposta que busque retirar o acesso ao aborto legal e seguro em caso de estupro deve ser repudiada.
Logo no início da sessão desta quarta, o presidente da comissão, deputado Evandro Gussi (PV-SP) negou questão de ordem da deputada Erika Kokay (PT-DF) sobre o fato de o relator tem acrescentado no parecer um tema além do conteúdo original da PEC. “Essa proposição foi movida por aqueles que acham que o corpo das mulheres os pertence, que acham que não deve haver planejamento familiar”, criticou a parlamentar.
A deputada Luiza Erundina (Psol-SP) chamou atenção para a falta de representação feminina na política e criticou a ação de deputados homens, quase 90% da Câmara. “Não decidam por nós. Não façam por nós. Não legislem por nós. Isso é anticivilizatório. Isso é antidemocratico. Isso é atrasado”, afirmou.
Favorável à medida, o deputado Pastor Eurico (PHS-PE) chegou a dizer que há uma “matança” de fetos, uma “destruição em massa de inocentes”, no Brasil. Parlamentares a favor da PEC falaram “em defesa da vida” e negaram restrição de direitos das mulheres.
A sessão começou por volta de 12h15 e foi interrompida às 15h30 devido ao início da ordem do dia no plenário. A oposição usou diversas manobras regimentais durante a reunião à tarde a fim de adiar novamente a votação. O colegiado voltou a se reunir às 17h30, após interrupção nos trabalhos no plenário.
Segundo o relator, no Brasil há uma tradição cultural e jurídica “intimamente ligada à proteção da vida ainda no ventre materno”. Ele argumenta também que é atribuição do Legislativo e não do Executivo decidir sobre o assunto.
Em entrevista ao HuffPost, Mudalen afirmou:
“Essa PEC trata sobre a vida e eu já resolvi inserir para não deixar dúvida de que o direito à vida é desde a concepção. Quero deixar bem claro.”
O texto original dizia respeito apenas a questões trabalhistas foi alterado em dezembro de 2016, após decisão do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pressionado pela bancada religiosa. A medida foi uma resposta ao Supremo que, em 29 de novembro, definiu que o aborto não deveria ser considerado crime no primeiro trimestre da gravidez.
A decisão tratava da revogação de prisão de cinco pessoas detidas em uma operação da polícia do Rio de Janeiro em uma clínica clandestina. Na ocasião o relator, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que a criminalização do aborto nos três primeiros meses da gestação viola os direitos sexuais e reprodutivos da mulher.
O julgamento abre a discussão das descriminalização mais geral no tribunal, mas não liberou, na prática, o aborto no primeiro trimestre de gravidez, uma vez que tratava de um caso específico. De acordo com Mudalen, o STF extrapolou sua competência para tratar da questão.
Há registros de apenas três audiências públicas na comissão especial da PEC. Nas reuniões, foram ouvidos sete especialistas, todos contrários à descriminalização do aborto, de acordo com o parecer de Mudalen. Entre eles, estavam integrantes da Rede Nacional em Defesa pela Vida e da Confederação Nacional das Entidades de Família (CNEF), além de Caio de Souza Cazarotto, autor de dissertação intitulada “O direito à vida do Nascituro: em busca da efetividade do direito”.
Dos 28 titulares originais do colegiado, 24 já declararam abertamente ser contra a interrupção da gravidez antes mesmo da criação da comissão e apenas três integrantes são mulheres.
Evangélico da Igreja Internacional da Graça, Mudalen foi relator em 2007 do PL 1135/91, que descriminalizava o aborto. Na época ele recomendou a rejeição do texto e pediu o arquivamento do PL 176/95, que permitia a interrupção da gravidez até o nonagésimo dia. Ambos os textos foram arquivados.
Atualmente o aborto é permitido no Brasil apenas quando há risco à vida da mãe causado pela gravidez, quando essa é resultante de um estupro e se o feto foi anencéfelo. A última previsão foi determinada pelo Supremo, em 2012.
De acordo com o Código Penal, as pena para quem provocar aborto podem chegar a dez anos de detenção. A punição pode aumentar se a gestantes sofrer lesão corporal grave ou morrer.
Pesquisa Nacional do Aborto (PNA) publicada em dezembro de 2016 mostrou que naquele ano, quase 1 em cada 5 mulheres, aos 40 anos já realizou, pelo menos, um aborto. Em 2015, foram, aproximadamente, 416 mil mulheres.
“Os resultados indicam que o aborto é um fenômeno frequente e persistente entre as mulheres de todas as classes sociais, grupos raciais, níveis educacionais e religiões”, diz o estudo. Foi registrada maior frequência, contudo, entre mulheres de menor escolaridade, pretas, pardas e indígenas, vivendo nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Assim como na PNA 2010, metade das mulheres usou medicamentos para abortar, e quase a metade das mulheres precisou ficar internada para finalizar o aborto.
Em março, o PSol, com assessoria da Anis, protocolou uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo para legalização o aborto até a 12ª semana, independentemente da razão. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), até essa faixa temporal o risco de complicações é de apenas 0,05%.
Votaram a favor da PEC:
Antônio Jácome (Podemos-RN)
Diego Garcia (PHS-PR)
Eros Biondini (PROS-MG)
Evandro Gussi (PV-SP)
Flavinho (PSB-SP)
Gilberto Nascimento (PSC-SP)
Jefferson Campos (PSD-SP)
João Campos (PRB-GO)
Joaquim Passarinho (PSD-PA)
Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP)
Leonardo Quintão (PMDB-MG)
Marcos Soares (DEM-RJ)
Pastor Eurico (PHS-PE)
Paulo Freire (PR-SP)
Alan Rick (DEM-AC)
Givllado Carimbão (PHS-AL)
Mauro Pereira (PMDB-RS)
Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ)
Votou contra a PEC:
Erika Kokay (PT-DF)