Por Debora Diniz e Giselle Carino
Publicado originalmente no site El país
A Cúpula do Clima das Nações Unidas convoca uma mudança nas economias para a proteção do planeta. A proposta do encontro pede que a transformação econômica respeite os objetivos do desenvolvimento sustentável. Há, tristemente, muita timidez na sua convocatória: não se nomeia o regime econômico que espolia os recursos naturais, favorece a guerra ou põe populações em movimento migratório forçado. O capitalismo global é nome proibido para que líderes políticos se reúnam para “reduzir o efeito estufa em 45% na próxima década, e eliminá-lo até 2050”. As linhas de ação da Cúpula do Clima foram organizadas em portfólios que estão vinculados ao ciclo de produção capitalista da riqueza e seus impactos na água, na comida ou no ar que respiramos.
Os descritores dos portfólios são como títulos de um manual de economia industrial global (“finanças”, “transição de energia”, “transição industrial”, “soluções baseadas na natureza”). Os efeitos sociais da exploração capitalista na vida são traçados como “cidades e ação local”, “resiliência e adaptação”. Aos pobres das cidades coube a “resiliência”, essa palavra deslizada da psicanálise para o mundo dos negócios e daí para a diplomacia global. Resiliência é como um pedido de paciência submissa aos expulsos das terras, das guerras ou da falta de proteção social pelos governos, como descreve Sassia Sasken, em “Expulsões”. Os expulsos não são apenas os imigrantes venezuelanos que atravessam a fronteira da Colômbia todos os dias, mas também os camponeses desapropriados nas favelas do Rio de Janeiro ou os adolescentes que fogem dos conflitos urbanos de El Salvador para a fronteira com os Estados Unidos. Nem todos os expulsos experimentam o desterro do capitalismo global da mesma maneira: para alguns, não há retorno, pois não há casa que os espere de volta.
Essa gente que caminha ou navega em fuga, chamada grosseiramente de “imigrante ilegal” pelos países que constroem muros ou fecham fronteiras, são “vidas nuas”, o corpo exposto em toda sua precariedade, como dizia Giorgio Agamben sobre os judeus nos campos de concentração nazistas. São corpos expostos à exploração plena da vulnerabilidade, como as crianças à espera de uma solução para o desamparo na fronteira entre o México e os Estados Unidos. O chamado para a ação da Cúpula do Clima não nomeia os corpos vitimados pela espoliação do meio-ambiente, apenas faz referência a dois grupos populacionais específicos: as mulheres e os jovens.
O plano de negócios global para o meio ambiente deve “incluir as mulheres como tomadoras de decisão”, diz o documento. Nesse ponto, o texto é ousado para líderes globais de negacionismo climático e de cruzada anti-gênero: “somente os processos de tomada de decisão que forem sensíveis à diversidade de gênero terão condições de responder às diferentes necessidades que surgirão neste período crítico de transformação”. Estudos já mostraram como as mulheres e as meninas são desproporcionalmente afetadas pelos processos de expulsão, sejam eles climáticos ou sociais: são as primeiras a abandonarem a escola, são as com mais altas taxas de subnutrição, correm permanente risco de exploração sexual ou casamento forçado.
Em uma linguagem típica à diplomacia em temas sensíveis, aos seis portfólios foram acrescentadas outras três áreas centrais, e uma delas é “engajamento da juventude e mobilização pública”. A inclusão não foi acidental, mas resultado da força demonstrada por jovens ativistas à “crise ecológica do século 21” como sendo a expressão da “segunda contradição do capitalismo”. Figuras como a sueca, Greta Thunberg, que deu origem ao “Fridays for the Future”, ou Jamie Margolin, filha de imigrante colombiana que movimenta vozes interseccionais no ativismo, são esperadas na Cúpula da Juventude para o Clima, no dia 21 de setembro.
O que os jovens ativistas mostram é que há uma ameaça existencial na crise ecológica global. Se a origem da ameaça é a ordem econômica predatória global, as vítimas são as populações mais vulneráveis, entre elas as mulheres e meninas. A resposta não poderá ser fragmentada, mas complexa como propõe Jamie Margolin, “eu não ponho o clima acima de outros temas, porque clima é Black Lives Matter, é o movimento feminista, são os direitos LGBT…quando se está comprometido com a justiça climática, se está coletivamente lutando pela liberação de todas as pessoas que são vítimas desses sistemas de opressão”. Na Suécia, a Universidade Chalmers de Tecnologia criou o primeiro centro mundial para estudar os negacionistas climáticos e o movimento ultradireitista de perseguição ao feminismo. Para os pesquisadores, os dois grupos precisam ser entendidos em suas raízes de fragilização da masculinidade no capitalismo global. Acreditamos no mesmo, por isso a resposta política dos jovens na Cúpula do Clima será provocativa para o poder patriarcal das negociações oficiais: em vários cantos do mundo, movimentos antisistêmicos marcharão em passeatas com linguagens complexas à crise climática. Não se renderão à resiliência da sobrevivência.