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Publicado originalmente por Justificando, em 4 de agosto de 2016.
Tanto o governo federal quanto o do Rio de Janeiro andam anunciando números da estratégia de segurança pública para os Jogos Olímpicos: 60 mil policiais e 40 mil agentes das Forças Armadas devem dar plantão na cidade sede nas próximas semanas. Sua missão seria reforçar o patrulhamento ostensivo, isto é, aumentar a vigilância em ruas, transportes públicos, estabelecimentos comerciais, para garantir convivência e circulação à altura dos valores olímpicos de amizade, respeito e solidariedade.
Entretanto, em vez de se sentirem mais seguras, a organizações de direitos humanos que monitoram a atuação das polícias brasileiras sentem medo. A Anistia Internacional denuncia uma matemática diferente para o aumento do aparato policial: até maio de 2016, 151 pessoas foram assassinadas por agentes de segurança pública na cidade do Rio de Janeiro, 40 somente em maio, que é 135% a mais do que as mortes ocorridas no mesmo mês em 2015. O temor é de que grandes operações de segurança pública se transformem em sinônimo de chacinas.
Há um padrão sendo observado: em 2007, ano de realização dos Jogos Pan-Americanos, houve o maior pico de homicídios decorrentes de intervenções policiais no estado do Rio de Janeiro dos últimos 10 anos, com 1.330 casos; os números caíram sucessivamente nos anos seguintes, mas voltaram a crescer em 2014, ano da Copa do Mundo, em que se registrou 580 casos. Faltam alguns dias para o início dos Jogos Olímpicos, mas o legado dos megaeventos esportivos no Brasil já é conhecido: recorde de violência policial letal.
Organizações que lutam contra a violência policial têm muito trabalho: escutam e oferecem apoio as famílias que perderam filhos vítimas de abordagens e invasões policiais violentas em favelas, denunciam o corporativismo que favorece a impunidade de policiais violentos, questionam a existência de uma polícia racista que trata cidadãos – especialmente os jovens, pretos e pobres – como inimigos de guerra. Uma força policial composta de trabalhadores despreparados e precarizados, treinados para atirar primeiro e perguntar depois e acostumados a fazer do abuso de autoridade rotina de trabalho não pode ter lugar em uma democracia.
Para comunicar tudo isso e promover o debate, ativistas saem às ruas em protestos – mas o legado olímpico ameaça isso também. As previsões vagas da Lei Antiterrorismo, aprovada em março em preparação para os Jogos, favorecem aplicações arbitrárias e podem ser usadas para criminalizar manifestações e movimentos sociais – o alerta vem da Organizações das Nações Unidas (ONU). Segundo a Lei Geral das Olimpíadas, é proibido portar “mensagens ofensivas” e “utilizar bandeiras para outros fins que não o da manifestação festiva e amigável” nos locais oficiais. Circular com um cartaz com os dizeres “legado olímpico: violência policial” ofende? É pouco amigável? Se couber à polícia responder, o longo histórico de repressão a manifestações sugere que sim. Mas entre mortos e apreendidos, é preciso resistir e perguntar: olimpíadas para quem?
Sinara Gumieri é advogada e pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética. Este artigo é parte do falatório Vozes da Igualdade, que todas as semanas assume um tema difícil para vídeos e conversas.