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Nova pesquisa revela como a criminalização do aborto no Brasil viola direitos fundamentais de meninas e mulheres

Violação de sigilo profissional e uso de provas ilícitas são algumas das violações relacionadas aos processos judiciais por aborto voluntário

ANIS - INSTITUTO DE BIOÉTICA

2 de julho, 2025

Estudo traçou mapa de processos judiciais sobre aborto no Brasil entre os anos de 2012 e 2022, evidenciando graves violações de direitos contra as mulheres e as meninas.  A pesquisa foi conduzida pela Anis: Instituto de Bioética.

Foram analisados 402 documentos judiciais contra 569 pessoas, coletados em 23 tribunais estaduais e 2 tribunais superiores. Foram ainda levantados 12 documentos pela Lei de Acesso à Informação de 12 estados sobre a situação de pessoas presas por aborto. Entrevistas adicionais foram realizadas com seis pessoas, sendo duas profissionais da saúde, três defensoras públicas e uma mulher criminalizada por aborto.

Os resultados encontrados são consistentes no que diz respeito às violações sistemáticas de direitos humanos em todas as etapas do processo: da busca por cuidados em serviços de saúde até o julgamento no sistema de justiça. Os principais achados de pesquisa demonstram que:

  • O hospital é um local de risco para as mulheres: das 104 denúncias com origem identificada, quase metade (48) partiram de profissionais de saúde. Estimamos que esse número pode ser ainda maior, já que a investigação policial frequentemente ocorreu logo após a mulher buscar os serviços de saúde.
  • Mulheres e adolescentes sofrem maus-tratos e são perseguidas nos estabelecimentos de saúde: emergências obstétricas foram tratadas como suspeita de aborto autoprovocado e serviços de saúde, em vez de oferecer cuidado, atuaram como espaços de investigação e violência.
  • Não há devido processo legal: grande parte dos processos teve seguimento mesmo sem provas materiais, com provas inválidas ou sustentados por ameaças para forçar a autoincriminação das mulheres com confissões obtidas sob coação e intimidação nos próprios estabelecimentos de saúde.
  • O acesso ao aborto legal é negado e mulheres são perseguidas: há casos em que vítimas de violência sexual e aborto forçado foram perseguidas e ameaçadas pelo sistema de justiça.
  • Adolescentes são perseguidas e punidas por aborto: há casos em que as denúncias partiram de conselheiros tutelares, inclusive com violação da intimidade,
  • expondo dados como nome, endereço e histórias de adolescentes em documentos públicos.
  • Mulheres descritas como maléficas: os processos frequentemente utilizam estereótipos de gênero para justificar punições, classificando as mulheres como “frias”, “maléficas” ou “reprováveis”.
  • Há prisões por aborto no Brasil: ao menos 218 pessoas foram privadas de liberdade em decorrência da criminalização do aborto, incluindo 175 prisões preventivas.

Segundo Luciana Brito, co-diretora da Anis e uma das coordenadoras da pesquisa, “há uma falsa presunção de que a lei penal do aborto não é aplicada. Na verdade, quando uma necessidade de saúde é controlada por políticas criminais, a proteção da saúde e do bem-estar de meninas, mulheres e todas as pessoas é ameaçada por práticas inquisitoriais, mesmo em espaços que deveriam ser de cuidados, como os serviços de saúde”.

A pesquisa também aponta como o uso da Suspensão Condicional do Processo (SCP) torna-se uma ferramenta de controle moral sobre o comportamento das mulheres, impondo obrigações como comparecimento mensal em juízo, restrição de circulação e vigilância sobre suas atividades.

O estudo evidencia como a criminalização do aborto impõe respostas penais a uma questão de saúde pública, agravando desigualdades, violando direitos e afastando mulheres e pessoas que gestam dos cuidados necessários. Reforça ainda a urgência de políticas públicas baseadas em evidências, que priorizem o cuidado reprodutivo e a dignidade de quem gesta. A pesquisa demonstra ainda que a lei penal do aborto tem efeitos difusos e opera para perseguir, ameaçar e punir meninas, mulheres e outras pessoas que buscam cuidados e proteções no pós-aborto, durante uma emergência obstétrica ou mesmo para aquelas vítimas de violência sexual.

Este estudo integra a campanha internacional Poderia Ser Eu – por uma saúde sem medos, que reúne dados sobre a criminalização do aborto no Brasil, Chile, Guatemala, Peru, República Dominicana e Uruguai. 

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