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Publicado originalmente no Época
ÉPOCA – Os partidos conseguiram, para as eleições deste ano, atingir a margem mínima de 30% das vagas de candidatos para mulheres. Mas elas formam a maioria da população. Por que elas são sub-representadas nas candidaturas e na política?
Débora Diniz – O Brasil é um dos países da América Latina com menor representação das mulheres na política. Uma história de desigualdade de gênero, machismo está em todos os países da nossa região. E outros países como o México já conseguiram atingir uma representação política que não conseguimos. A Argentina também, por exemplo. Precisamos mudar a forma de fazer política. Há formas, estilos, expectativas que são extremamente masculinos. Precisamos alterar formas de reconhecimento das meninas, no processo educacional, como representações, vozes ativas, como legítimas para serem reconhecidas como lideranças políticas. Por que mulheres não votam em mulheres? Precisamos mudar as formas de reconhecimento sobre qual a expectativa de quem me representa no poder político. Enquanto houver essa expectativa masculina, as mulheres não conseguirão furar o cerco dos 30% nem serem elas as eleitas, porque nem sequer as mulheres vão votar nelas.
Débora Diniz – São duas coisas. É um sintoma e um regime de silenciamento. As mulheres nem nos partidos ascendem a cargos de poder e liderança. Mas também é sinal do silêncio. Pautas das mulheres não são consideradas pautas universais como as masculinas. Quando falamos de direitos de trabalhadores e depois de trabalhadoras, parece que é algo específico, mas é algo universal. Pautas essencialmente femininas são em geral consideradas pautas perigosas para os partidos.
ÉPOCA – Como isso poderia ser mudado?
Débora Diniz – Essas pautas enfrentam resistência em setores conservadores da sociedade e os partidos optam pelo pragmatismo de não perder o voto dessas pessoas. Eu não chamaria de pragmatismo. É quase um oportunismo. Não podem ceder a isso. Um exemplo: quando mulheres vão ao confronto e há exaltação, os homens são bravos, as mulheres são histéricas. Situações como essa deslegitimam e desqualificam as mulheres no ambiente político. Quando vemos mulheres sendo desqualificadas pelas roupas, corpo ou até saúde mental, são desqualificações morais de sua capacidade de representação política. Nós não vemos isso sendo imputado aos homens.
ÉPOCA – Como a baixa representatividade das mulheres se reflete nas políticas públicas?
Débora Diniz – Quando temos ausência de um grupo tão importante como o das mulheres, temas fundamentais são ignorados, como a urgência de creche. Ou o transporte público para mulheres trabalhadoras à noite. Garantia de políticas públicas para o principal emprego de mulheres no Brasil, que é o emprego doméstico. Desde questões relacionadas à infância no cuidado de crianças, como creches, até transporte, saúde ou trabalho, não temos uma discussão sobre a precarização do trabalho.
ÉPOCA – O que a senhora considera como política pública viável para o programa dos candidatos?
Débora Diniz – Qualquer candidato, para ser levado a sério, tem de enfrentar seriamente a questão das creches públicas, o retorno das mulheres ao mundo do trabalho imediatamente após o fim dalicença-maternidade, a garantia de que o aborto seja considerado uma questão de saúde pública. E nenhum candidato sério pode evitar o debate sobre igualdade de gênero e o ensino nas escolas. Se passar a dizer que não se pode falar sobre igualdade de gênero nas escolas, daqui a dez anos nem os 30% de mulheres vamos ter. Para os que acreditam na naturalização do feminino, o lugar da mulher não é na política. É na casa.
ÉPOCA – Qual é sua avaliação da política pública de cotas, tanto na representação quanto na distribuição de recursos? É o suficiente?
Débora Diniz – Nenhuma política de cotas é suficiente para a igualdade. É um instrumento forçoso em extrema desigualdade. Representam uma correção em situação de desigualdade extrema. Sem ela, seria ainda pior.