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Publicado originalmente por Correio 24 horas, em 2 de julho de 2016.
Os personagens parecem não caber no roteiro. Uma mulher linda, rica e famosa é vítima de violência doméstica em um apartamento luxuoso de Nova York. Ela é Luiza Brunet. Ele, um bilionário do mercado financeiro, Lírio Albino Parisotto.
Para escapar das agressões que lhe renderam quatro costelas quebradas, Luiza trancou-se no quarto, onde se refugiou até Lírio deixar o apartamento. No dia seguinte, desamparada como uma refugiada, pegou um avião e retornou ao Brasil. Em São Paulo, fez exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal e apresentou representação no Ministério Público.
O processo corria em segredo de Justiça até Luiza decidir testemunhar o silêncio. Por que falou? Porque é rica e famosa, uma mulher que tem direito à voz e não é dependente do bilionário, agora seu ex-companheiro. Porque se solidariza com as milhares de mulheres que sofrem violência e se envergonham. Porque falar publicamente é romper o estigma da solidão.
Ao descrever-se como uma vítima de violência doméstica, Luiza falou de sua vergonha, mas pensou em todas as outras mulheres que, diferentemente dela, não poderiam escapar da casa ou do casamento, pois seriam dependentes pelo dinheiro ou pelos filhos em comum.
Luiza não só é das poucas mulheres com direito à voz na vida pública no Brasil, como é mulher poderosa – seja pela beleza ou pela fama.
Costelas
Luiza fala de um jeito sensível sobre a intimidade da violência. Não precisou oferecer detalhes das causas ou dos processos. Contou apenas o absurdo do que teria sido o evento desencadeador para a fantasia do bilionário bruto: Lírio não suportava ser confundido com o ex-marido de Luiza.
A verdade é que não há causa para a violência contra a mulher – ela é sempre um gesto autoritário de um homem. Talvez, Luiza tenha falado em causa como uma forma de expressar o início do absurdo, assim como quem narra um evento: o incômodo de um homem bilionário de não a possuir como a “esposa do Lírio”, mas de ser confundido com “o ex-marido de Luiza”.
Bilionários ou pobretões, os homens que violentam mulheres são todos brutos. A brutalidade não está apenas na violência da mão que rompe costelas, mas na forma de perceber as mulheres no mundo. Um homem bruto é aquele que acredita ser o chefe, o possuidor, o dono das mulheres de sua propriedade.
Se há causas para ser pensadas sobre a violência, aqui está o enredo: Lírio e outros homens violentos batem nas mulheres porque não suportam não a possuírem como propriedade.
Ser “a do outro” foi o pensamento insuportável e suficiente para esperá-la de roupão em casa para o plano de tortura. Sim, essa é a palavra que melhor descreve o que viveu Luiza: a tortura em casa.
Debora Diniz é antropóloga, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis.