Há danos permanentes nas futuras gerações, diz pesquisadora, de Paulo Favero.
Publicado originalmente por Estadão, em 11 de junho de 2016.
A antropóloga brasileira Debora Diniz, pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética, foi uma das 150 cientistas que escreveu uma carta para a OMS (Organização Mundial de Saúde) pedindo o adiamento ou transferência de sede da Olimpíada por causa da zika. Confira a entrevista exclusiva.
Você assinou a carta defendendo o adiamento ou mudança de local da Olimpíada. Se você fosse aconselhar uma pessoa do exterior, diria para vir aos Jogos?
É sempre uma decisão privada. Não podemos confundir: assinar uma carta dessas não significa proibir trânsito em fronteiras, mas significa informar claramente as pessoas sobre o vírus. Primeiro, diria para essa pessoa ver em seu país se o aborto é legalizado, pois em 63% dos países que vêm ao Brasil o aborto é criminalizado, ou seja, estamos colocando as mulheres desses países em risco duplo de saúde. Diria também para se informar o máximo sobre as formas de prevenção, como uso de repelente e sexo seguro.
Qual foi o impacto da carta?
Ela promoveu uma discussão
internacional intensa, mas no Brasil foi muito pobre. Acho que pelo menos as pessoas estão mais informadas que existe uma questão de saúde global envolvida, principalmente para as mulheres em idade reprodutiva.
Qual o risco com a realização da Olimpíada no Rio em agosto?
Minha inquietação é sobre a incoerência de pronunciamento da OMS. Em fevereiro, quando ela declara uma situação de emergência global pela quarta vez na história, e a última foi com o ebola, ela está dizendo que tem uma questão aqui. A emergência global não é o mosquito, mas a transmissão vertical da doença da mãe para o feto naquilo que estamos chamando popularmente de microcefalia, que é a síndrome congênita de zika nos recém-nascidos. Está claro que existe o risco de nascimento de crianças com má formação.
Você acredita que o evento possa ser cancelado?
Acho difícil. Agora questiono se a dificuldade de cancelá-lo ou adiá-lo é por razões de saúde pública ou outras razões? Não é provocar pânico, mas estamos falando de uma doença que provoca danos permanentes em futuras gerações. As pessoas, individualmente, não têm como se proteger disso.
Como você avalia as recomendações da OMS?
Em abril ela decretou que o zika causa a má formação no feto. Depois, ela fez um pronunciamento de como os visitantes devem se proteger no Brasil, falando que precisa usar mangas compridas, ficar em ar-condicionado e não entrar em áreas pobres durante a Olimpíada. Isso é política de saúde séria?
Como a zika chegou ao Brasil?
Ela chega com a Copa e entra por Natal. As primeiras pessoas ficaram adoecidas no segundo semestre de 2014. As primeiras mulheres grávidas surgiram no primeiro semestre de 2015, quando começa a ser uma doença de populações. Então ela entra pelo Rio Grande do Norte e vai migrando para Bahia, Pernambuco e Paraíba. Até três meses atrás o Maranhão não aparecia nas estatísticas, agora está no pico de pessoas adoecidas, assim como o Rio de Janeiro.
Falou-se muito no início do ano sobre os casos de microcefalia em bebês, mas agora o assunto não é mais abordado. Por que?
A gente tem duas explicações: a primeira é a sazonalidade da doença. O mosquito circula nos tempos de chuva e a segunda geração de crianças com síndrome neurológica nascerá no fim do ano. A segunda razão é porque o Brasil enfrenta uma crise política e esse tema saiu da agenda.