por Lígia Formenti
Publicado originalmente no Estadão
A estudante Rebeca Mendes da Silva Leite, de 30 anos, ingressou nesta quinta-feira, 30, com um novo pedido para obter na Justiça autorização para interromper a gravidez. Depois de a ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber negar nesta semana uma liminar com pedido semelhante, a estudante apresentou um habeas corpus preventivo em São Paulo, para que não seja punida se levar adiante a intenção de interromper a gestação.
Grávida de sete semanas, Rebeca afirma não ter condições emocionais, psicológicas e econômicas de ter a criança. A estudante cria sozinha dois filhos, de 9 e 6 anos. No pedido feito à Justiça, a advogada de Rebeca, Gabriela Rondon, argumenta que a penalização do aborto representaria uma violação ao direito à saúde e um perigo à saúde mental da cliente. A ideia é obter um salvo-conduto. “A penalização representaria uma coação injusta. O Código Penal já prevê o aborto terapêutico, nos casos de ameaça à vida da gestante. O que estamos propondo é uma interpretação mais ampla, levando em consideração a Constituição Federal”, disse a advogada.
Em entrevista ao Estado nesta quinta, a estudante afirmou ter vivido nos últimos dias um misto de esperança, angústia e medo. “Senti-me desamparada quando soube da decisão do Supremo”, contou. Segundo ela, o mais frustrante foi ver que seu pedido não teve o mérito apreciado. A justificativa da recusa da liminar foi feita com base em questões processuais. “Estou tentando fazer o certo, agir na legalidade e o Judiciário simplesmente virou as costas. Agora focamos numa outra estratégia. Espero conseguir uma resposta. Eu como cidadã preciso de uma resposta.”
Rebeca contou que em nenhum momento pensou em recorrer a um procedimento clandestino – embora o acesso fosse fácil. “Não queria sangrar em casa, ser hospitalizada e depois encaminhada para a delegacia ou morrer numa clínica e ser jogada na rua”, contou.
A gravidez ocorreu num momento em que ela trocava o método contraceptivo. A estudante recorreu ao Sistema Único de Saúde para colocar um DIU, mas teve de enfrentar meses de espera antes de ter acesso ao método. Neste período engravidou. “Eu não estou sozinha. São várias as mulheres que enfrentam uma gestação indesejada.”
Um terceiro filho, avalia, colocaria em risco o sustento da família e perspectivas de uma vida melhor. Hoje Rebeca tem um contrato de trabalho temporário, que termina em fevereiro. À noite, ela cursa o 5.º semestre de Direito, graças a uma bolsa integral do Prouni.
A notícia de que havia ingressado com um pedido de liminar no STF na semana passada provocou uma reação imediata. “Fui muito julgada por pessoas que não conhecem minha história e não sabem como eu sou”, disse. No início, as críticas abalaram um pouco sua confiança, mas, aos poucos, ela se recuperou. Na faculdade e no trabalho, ela ouviu mensagens de apoio. “Mesmo pessoas contrárias ao aborto, vendo minha situação, diziam respeitar minha opção.”
Durante a semana, foram várias as manifestações de organizações contrárias ao aborto que diziam oferecer emprego, ajuda monetária e até mesmo adoção da criança. “Foram apenas palavras soltas. Nunca nenhuma oferta concreta chegou até mim.” Sobre a oferta de adoção, ela rebate: “Acho muito bacana. As pessoas que quiserem adotar, por favor: a fila de crianças está enorme. Mas não pode escolher idade, cor, gênero. Não vou sofrer durante nove meses para depois entregar meu filho como se fosse uma roupa velha.”