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por Gabriela Rondon
Publicado originalmente no Jota
O goleiro Bruno Fernandes de Souza, ex-jogador do Flamengo, é acusado e condenado em primeira instância por crime atroz. Seu processo penal dá conta de que tenha ordenado o assassinato de Eliza Samudio, desaparecida em 2010, com quem tinha um filho. O destino de Eliza nunca foi plenamente esclarecido e seu corpo nunca foi encontrado, mas conta-se que teria sido sequestrada, morta, esquartejada e teria tido os vestígios de seu corpo jogado a cães. Pelo envolvimento em todos os crimes, Bruno foi condenado em primeira instância a 22 anos e 3 meses de prisão em regime fechado.
A defesa ainda recorre da decisão, mas desde 2010 até fevereiro de 2017, Bruno esteve preso preventivamente. Seu destino foi semelhante ao de 45% da população carcerária brasileira, preso em adiantamento de uma pena ainda não transitada em julgado. Mas diferente dessa multidão ainda atrás das grades, pôde ser liberado por habeas corpus julgado pelo Supremo Tribunal Federal.
O horror do feminicídio de Eliza é real e nos exige pensamento coletivo para enfrentar a despossessão das mulheres pela violência assassina do gênero. Mas a certeza dessa avaliação pode também conviver com outra: a de que o relaxamento da prisão foi legal e constitucional. Não havia razões de manutenção da prisão preventiva. Não houve ilegalidade na decisão do STF.
O deslize em sugerir que o goleiro Bruno não deveria ter sido solto é apelo que nasce do profundo desamparo, é a tentativa de acreditar que sua prisão, à revelia de nossas próprias convicções sobre qual deve ser a atuação de um Estado justo, poderia tornar o mundo um lugar mais seguro para mulheres.
O incômodo é duplo: não só a prisão de Bruno por mais de 6 anos sem condenação é ilegal, como dados de realidade nos levam a duvidar da função preventiva da pena. Pesquisa conduzida pela Anis – Instituto de Bioética no Distrito Federal mostrou que, dos feminicídios ocorridos entre 2006 e 2011 que chegaram a julgamento, 98% dos casos se encerraram em condenação, com pena média de 15 anos a cada um dos réus. Na capital do país, condenação por feminicídio é certa e alta, mas isso não se reverteu, no período da pesquisa, em diminuição das taxas do crime.
Inquietar-se por esses dados não é dizer que a responsabilização de agressores e matadores de mulheres seja desimportante, mas que é preciso mais para denunciar o gênero como regime político injusto que nos desampara por uma sequência de violências que tem no feminicídio seu desfecho mais trágico. Nosso compromisso com a memória de Eliza Samudio e tantas outras de nós é seguir insistindo em estratégias de proteção: medidas protetivas de caráter civil, que possibilitem o rompimento de ciclos de violência, são algumas delas. Uma educação comprometida com debates sobre desigualdade de gênero e o direito das mulheres a uma vida sem violência é outra.