Mais que aplicar a qualificadora na condenação, nomear a violência protege a vida as mulheres
por Gabriela Rondon
Publicado originalmente no Jota
Foi manchete na semana passada: homem mata ex-esposa após cumprir pena pela Lei Maria da Penha. Carlos Alexandre Messias esteve preso por 4 meses em cidade do interior de São Paulo por acusação de tentativa de homicídio contra Dayane Gianetty, mulher que havia sido sua companheira e era mãe de seus filhos. Não tinha sido a primeira denúncia.
No mesmo dia em que foi libertado, Carlos foi em busca de Dayane e a agrediu na frente dos dois filhos. Foi a intervenção de parentes que impediu Carlos de seguir na agressão, e a denúncia pelo novo episódio gerou deferimento de medida protetiva que exigia do agressor manter um raio de, no mínimo, 500 metros de distância da vítima. A resposta do sistema de justiça foi a mais comum para os casos de violência doméstica que pedem uma solução de urgência para sequência de agressões persistentes: uma medida negativa, que impõe ao acusado uma proibição, na expectativa de se impeça a ocorrência de nova violência, mas que não interfere nas condições de dependência e vulnerabilidade que permitem essa mesma violência.
Foi Dayane quem tomou outras medidas para sua própria proteção. Deixou o emprego como frentista e mudou-se de casa com os dois filhos, assim deixando os dois lugares onde acreditava que o agressor poderia encontrá-la. As ameaças de morte seguiram. Não sabemos se ela pôde encontrar outro trabalho para sua subsistência ou como e onde pôde buscar novo abrigo com duas crianças para fugir de seu algoz. O fato é que, poucos dias depois, Carlos a encontrou caminhando na cidade onde viviam, a obrigou a entrar em um carro, dirigiu até um canavial à beira de rodovia, a espancou e esfaqueou até a morte. Teria ainda passado com o carro sobre seu corpo já morto. Finalizou assim o intento já anunciado de assassiná-la com o ódio do gênero.
Uma narrativa como essa é assustadora para mulheres. As manchetes do caso sugerem que a Lei Maria da Penha mais desprotege que protege – denunciar pode gerar o efeito contrário da proteção? É preciso não cair na armadilha de supor que a lei é que provoca a violência vingativa dos homens matadores. Mas é possível, sim, compreender que a lei pode ser aplicada de forma diferente para o enfrentamento da violência doméstica. A LMP não é lei apenas penal, pelo contrário: prevê uma série de medidas para proteção de mulheres, desde programas educacionais e inclusão em currículos escolares de conteúdos relativos aos direitos humanos, com perspectiva de gênero e raça, até o encaminhamento de mulheres e seus filhos a casas-abrigos e deferimento de prestação de alimentos como medida de urgência – duas das respostas que poderiam ter sido importantes no caso de Dayane.
Feminicídio é o nome do crime. Carlos Alexandre Messias já foi preso pela segunda vez, agora não mais por tentativa, mas por feminicídio consumado de Dayane Gianetty. Mais que a aplicação da qualificadora em sua condenação, precisamos seguir pensando e aplicando as estratégias para nomear e combater a violência antes de seu ato final, em defesa da vida das mulheres.