por Natacha Cortêz
Publicado originalmente no UOL
Se depender de uma deputada estadual do Distrito Federal, mulheres que engravidaram durante um estupro poderão ser expostas a imagens de fetos em desenvolvimento para que desistam do aborto ao qual têm direito. O projeto de lei da parlamentar Celina Leão (PPS) foi aprovado pela Câmara Legislativa da região e na última segunda-feira (26) enviado para análise do governador Rodrigo Rollemberg (PSB), que deve sancionar ou vetar a proposta em até 21 dias.
A antropóloga Debora Diniz, principal articuladora das ações que colocaram o aborto na agenda do STF, diz que o projeto coloca dor sobre dor na vida de brasileiras que engravidaram em decorrência de um estupro. Coautora da maior pesquisa sobre o assunto já realizada no Brasil, a PNA, que levantou que meio milhão de brasileiras abortou em 2015, ela vê a proposta como “perversa”, pois “ignora que não se trata apenas de uma mulher vivenciando uma gestação, mas vivendo uma experiência de sobrevivência de tortura”.
Criado em 2013, o projeto de lei sugere que mulheres grávidas em decorrência de um estupro, quando atendidas em unidades públicas e privadas de saúde no Distrito Federal, vejam imagens de fetos, mês a mês de suas gestações. Procurada pelo UOL para explicar a proposta, Celina Leão não respondeu até a publicação desta entrevista.
Na entrevista a seguir, Debora Diniz fala sobre o retrocesso que projetos como esses significam para os direitos reprodutivos das brasileiras.
UOL – Se o projeto for sancionado pelo governador do DF, há riscos de propostas semelhantes seguirem em outros estados brasileiros?
Debora Diniz: Jamais me descreveria como otimista, mas a reação sobre esse projeto foi alarmante e assustador no Brasil inteiro. A despeito de todas as controvérsias e tabus sobre o aborto na sociedade, há uma clareza de quanto o o estupro é uma experiência dilacerante para as mulheres. Em um Estado digno, protegê-las é o mínimo que podemos fazer. Acredito que a própria sociedade se oporia em relação a outros projetos semelhantes.
Estamos em um momento delicado quando falamos do avanço de políticas públicas para mulheres no Brasil?
Com certeza. E sabe por quê? Falar das mulheres no Brasil agora é falar de tudo o que o país e seus governantes não querem falar. É falar de desigualdade no mundo do trabalho – quando temos uma fragilização das políticas de proteção ao trabalho -, é falar de creche universal – quando estamos falando de redução dos orçamentos para assistência e educação -, é falar que a Zika ainda continua quando anunciam o fim da epidemia. Aborto, claro, entra na lista. O mundo das mulheres no Brasil é um mundo em que um Estado (feito por homens e para homens) em crise e franco retrocesso não quer, e nem deve, enfrentar.
Uma pesquisa feita pelo IBOPE, em fevereiro, apontou que 2 em cada 3 brasileiros acredita que deve ser da mulher a decisão pelo aborto, e não do Estado. Até quando as ideias da população mudam, os projetos de lei contra o aborto avançam. Por quê?
Mais importante do que dizer como a sociedade pensa, é ouvir o que quer uma mulher que engravidou por causa de uma violência. Me parece que os desafios dos projetos de lei e das políticas públicas são falar da vida concreta das mulheres e não de crenças individuais ou do Estado. Quando descrevo o projeto como perverso, é porque ele é carregado de má-fé.
Veja: precisamos conversar sobre aborto, e exaustivamente. Precisamos ainda conversar sobre políticas públicas nos pautando em informações verdadeiras. Ignorar que essa menina tão jovem está sofrendo e sofreu um trauma, é submetê-la a uma violência ainda maior. Qualquer mulher, e mesmo a mais jovem, aos 12 ou 13 anos, ao sofrer um estupro e engravidar, sabe o que está dentro do útero dela. Mostrar imagens de feto em desenvolvimento, mês a mês, não é informá-la. Informá-la é dizer que o aborto, se feito em condições seguras, não tem riscos para saúde dela. Aliás, ele tem menos riscos que um parto. Um parto em uma menina de 13 anos é um procedimento de grande risco tanto para sua saúde física quanto mental.