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Anis | “ESCOLHA DAS UNIVERSIDADES NÃO FOI COINCIDÊNCIA”, DIZ DEBORA DINIZ SOBRE CORTE DE VERBAS

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“ESCOLHA DAS UNIVERSIDADES NÃO FOI COINCIDÊNCIA”, DIZ DEBORA DINIZ SOBRE CORTE DE VERBAS

30 de abril, 2019

Para antropóloga, universidades públicas são “espaços de forte crítica e análise da ineficiência da política bolsonarista”

Rodrigo Castro

Publicado originalmente na Época

Uma tentativa de mordaça. É dessa maneira que a antropóloga e professora licenciada da faculdade de Direito da UnB, Debora Diniz, vê o corte de recursos anunciado pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, às universidades que estejam promovendo “ balbúrdia ”. Três instituições já foram enquadradas nesses critérios e sofreram bloqueio de 30% no orçamento anual. De acordo com o ministro, UnB, Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade Federal da Bahia (UFBA) apresentaram resultados aquém do esperado e têm permitido manifestações inadequadas em seus campus — embora não tenha detalhado quais. A Universidade Federal da Bahia (UFJF) também está sob avaliação.

A medida atinge gastos com despesas ordinárias como água, luz, limpeza e bolsas de auxílio a estudantes, Não vai, portanto, impactar os recursos para pagamento de profissionais, que não podem ser reduzidos. Segundo o MEC, o “bandejão” e a assistência estudantil não serão afetados. Para Diniz, governo teme as análises e críticas das universidades sobre a “ineficiência da política bolsonarista”.

O ministro fala que as universidades estão promovendo balbúrdia. Qual a sua interpretação sobre essa declaração?

O léxico ativo da língua portuguesa interpreta balbúrdia como desordem, desorganização. Não são critérios de avaliação de políticas educacionais nem do orçamento prioritário para politicas públicas. Me parece ser um julgamento moral, de incapacidade democrática de lidar com a crítica, de uma imaturidade política de lidar com o dissenso. As universidades públicas, especialmente a de Brasília, são espaços de forte crítica e análise da ineficiência da política bolsonarista, não só no campo educacional como em outras áreas do país.

Ministro da Educação, Abraham Weintraub Foto: EVARISTO SA / AFP

Ele diz também que o dinheiro do contribuinte está sendo usado para festas e palestras inócuas…

No momento em que ele listar quais são as palestras será acusado de discriminação e perseguição ideológica. Ele precisa comprovar quais são as evidências de atuações inócuas no ambiente universitário. Aí vamos abrir o debate sobre o que faz bem ou não à democracia e sobre quais critérios. Essas referências contínuas me parecem muito mais um ressentimento universitário, o que me impressiona, porque esse ministro era um professor universitário.

Uma das justificativas é que as universidades estão apresentando “desempenho aquém”. No entanto, as três instituições citadas melhoraram sua posição no principal ranking internacional e constam entre as 100 melhores da América Latina. Como a senhora vê isso?

Por que a indicação das três? A UnB é a mais perto do poder político, com uma história crítica desde a época da ditadura, que ofereceu resistência ao dia seguinte da eleição do presidente Bolsonaro. Não é por coincidência. Necessitaria investigar as razões para as outras duas, porque não há razões na performance, ao contrário. Na UFBA, houve crescimento em sua performance nos últimos anos. Esses dados são públicos. Especialmente sobre a UnB, diria que há um medo.

Qual sua opinião sobre punir uma universidade com “maus resultados” com o corte de orçamento?

Ele parte de uma afirmação falsa de que essas universidades elencadas tenham mau desempenho. Precisamos abrir as evidências das quais o ministro parte para dizer o que é bom ou mau. Universidades com menor desempenho, como na Amazônia ou no meio norte do Nordeste, também deveriam ser reconhecidas para que possam se desenvolver. Não significa tirar das universidades de topo, mas tomar decisões sobre a alocação de recursos que reconheçam uma promoção justa das igualdades de oportunidades para diferentes centros do país.

As maiores dificuldades nas universidades públicas referem-se à estrutura. Cortar gastos discricionários é solução?

Gastos operacionais são gastos das condições de possibilidade de existência de qualquer instituição. Luz, água, banheiro. O que acontece é que ele não pode demitir os professores, os servidores de carreira, pois precisaria modificar a lei de funcionalismo público. Eu rejeitaria essa categoria “discricionário”, pois são condições da possibilidade de existência da universidade e da dignidade dos estudantes que ascendem à universidade pública.

Outra ideia é descentralizar os investimentos em sociologia e filosofia para dar prioridade a áreas que gerem retorno ao contribuinte…

Para se entender a matemática, precisa-se entender conceitos, o que vem da filosofia. Não à toa, a história da filosofia na Índia, por exemplo, se dava em conjunto com a matemática. Me parece que há uma superficialidade do que é a história do pensamento, que inclusive nos faz humanos.

Weintraub também encorajou alunos a gravar as aulas. É uma intimidação ao professor?

O que mais me impacta é que, assim como vai ter alunos filmando professor por um lado, vai ter alunos filmando professores por outro. Isso pode incitar um conflito entre estudantes e escolas nesse momento. Já temos um problema de segurança pública em muitas universidades e escolas no país. Consegue imaginar estudantes entrando em conflito, inclusive físico, por uma declaração de provocação ideológica feita pelo presidente? É um sinal muito errado, de disseminação de violência nas escolas, um local que tem de ser pacífico e de acolhimento. Não acredito que os professores vão se intimidar a ponto de silenciarem, mas isso gera uma reação.

Alguns falam em Lei da Mordaça…

Essa é uma expressão que vem especialmente do que fez o governo Trump com restrição de recursos em áreas que eram de questionamento moral para ele. No Brasil, se essa fosse uma crise de financiamento para a educação superior não haveria a indicação de quais universidades sofreriam com contingenciamento. Em vez de entrar em um debate sobre como deve ser a politica educacional no marco ideológico do presidente, o governo prefere a ameaça do poder econômico. Mas isso tem o efeito reverso: engaja os intelectuais e professores no debate público e democrático, confrontando o governo com evidências.

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