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Publicado originalmente na Revista Cult
“Aqui não é a Disneylândia. Aqui é a Cracolândia”. É com a frase de um morador local que a diretora Debora Diniz escolheu abrir o documentário Hotel Laide. Lançado às vésperas da operação policial que varreu o local de forma violenta, o filme é um registro da Cracolândia da perspectiva de quem viveu ali: “O documentário cria identificação e nos faz perceber que nós somos parecidos inclusive com os moradores da Cracolândia”, diz a diretora.
Filmado em dois momentos diferentes – no final de 2015 e em novembro de 2016 -, Hotel Laide acompanha a história de três mulheres cujas trajetórias foram entrelaçadas na Cracolândia: Dona Laide, proprietária do estabelecimento; Brenda Bracho, ex-moradora de rua e espécie de governanta do local; e Angélica Alves, habitante do fluxo e usuária de crack acolhida no Laide.
O hotel, destruído por um incêndio de causas desconhecidas no início deste ano, era associado ao antigo programa De Braços Abertos, do ex-prefeito Fernando Haddad (PT). Dentro do projeto, os chamados hotéis sociais eram estabelecimentos que recebiam, de forma gratuita, moradores do fluxo interessados em trabalhar e recomeçar a vida longe da droga.
“Não é parar de usar a química, é se cuidar mais”, dispara Brenda, no filme, ao dar as boas vindas para a então recém-chegada Angélica. Rígida, mas acolhedora, a governanta enumera as regras para a novata: banho é obrigatório todos os dias, não pode fumar pela casa, é proibido entrar no quarto dos outros moradores. “Aqui é residência, lar, família”, define. À CULT, Diniz explica a importância dos hotéis sociais: “A tentativa de vincular essas pessoas ao território, de colocá-las nos hotéis, organizadas, era uma política de resistência a formas amplas de destruição da vida”.
O Laide foi escolhido como foco do documentário por ser um dos mais próximos ao fluxo – da janela, dava para ver o aglomerado de usuários de crack e moradores de rua – e porque sua decoração colorida e espalhafatosa “causava um acolhimento para os moradores dali e contrastava com o cinza que era o fluxo”, lembra Diniz. Como a diretora também é antropóloga e tem uma pesquisa voltada para as questões de gênero, o fato de o hotel ser gerido apenas por mulheres também pesou na decisão.
A ideia do filme era “lançar um contra-testemunho das imagens desumanas que a mídia divulga daquele lugar”, segundo Diniz. E a diretora consegue, em vários momentos, transmitir essa Cracolândia menos midiática: em uma sequência, Dona Laide circula tranquilamente com a neta bebê, Maria Paula, entre os moradores do fluxo. Além disso, há um esforço para desmistificar a concentração de usuários de crack conhecida como fluxo: todas as cenas usam o som ambiente e sempre ao fundo se ouve samba, rap ou até as notas inconfundíveis de um berimbau em uma roda de capoeira. “A intenção do filme é aproximar as pessoas do desconhecido, daquilo que elas têm medo”, pondera Diniz.
Seguindo essa lógica de quebrar paradigmas, a equipe por trás de Hotel Laide queria lançar o filme em uma projeção gratuita ao ar livre, nas próprias ruas que formam o fluxo, para incluir ao máximo os protagonistas do documentário. No entanto, os moradores advertiram Diniz sobre o clima tenso que pairava sobre a Cracolândia nos dias que antecederam a invasão policial que faria 48 presos. Depois do lançamento, a equipe decidiu disponibilizar o documentário de forma gratuita na internet, para que, nas palavras de Diniz, ele “cumpra seu papel de testemunho”.
Para a diretora, a questão que está posta no varrimento violento da Cracolândia não é só a destruição do espaço do fluxo, mas também de uma forma de encarar e acolher os usuários de crack, fundamentada na redução de danos: “Tem sido a destruição de um projeto de esperança de transformação importante para as pessoas que estavam vivendo ali”. Pesquisadora também da área da saúde, Diniz reitera que é “impossível” acabar com a Cracolândia em apenas uma ação violenta ou por meio de internações compulsórias. “Este problema precisa de ações cotidianas, pequenas e persistentes, como o De Braços Abertos. Não tem milagre que vá acabar com a Cracolândia”.
Para a diretora, o maior trunfo de Hotel Laide é mostrar as pessoas vivendo, permanecendo e se relacionando no local, ao contrário de todas as narrativas trazidas pela grande mídia, que mostra a Cracolândia como um espaço de “zumbis”: “Brenda, Angélica e Dona Laide estão ali, são mulheres saudáveis, que estão reconstruindo a vida e resistindo. Nós precisamos, nesta guerra de imagens, e nesta guerra de medo, contar as histórias de quem não tem voz.”