Ladyane Souza
Publicado originalmente no blog da Folha de S.Paulo #AgoraÉQueSãoElas
Wêlda Lima é uma mãe migrante pela zika: a conheci em Goiânia e me contou que não era dali, pegava sempre um ônibus e seguia nele com sua filha, por mais de 10h para ir e outras 10h para voltar, pois em sua cidade não havia atendimento especializado para sua criança. Ela faz e faria de tudo por Manu, sua bebê que foi afetada por essa “nova” condição, a síndrome congênita da zika.
Acompanhei quando Welda e seu marido, Carlos, fecharam a mercearia que tinham, deixaram familiares, amigos, e se mudaram de Mato Grosso para Goiás, a mais de 600km de suas casas, levando os outros dois filhos, na esperança de tratamento e dignidade para a pequena Manu “é minha benção, um aprendizado diário”. A luta deles é contra Zika, e não têm apoio do Estado: estão há cerca de três anos esperando muitas respostas.
Em diversas cidades do país, essas mães diariamente estão inventando maneiras de fazer o sistema de saúde público funcionar, conversando umas com as outras, desse jeito é que formam redes de proteção. Na sala de espera das consultas iniciam-se os grupos de zap, como elas chamam, e lá tentam equilibrar as despesas e tratamentos, dando dicas, por exemplo, de como construir uma cadeira de material reciclado. Elas ensinaram a mim que ser mãe está muito além de criar: tem a ver com recriar caminhos, mesmo que todas as portas pareçam estar fechadas.
Ser mãe de Caio, Guilherme, Maria, Lavínia, é buscar sentidos quando tudo trabalha contra. Encontram uma maneira de viver entre os hospitais e os afazeres, a despeito de todo estigma e preconceito que existe com as necessidades especiais de seus filhos. Até mesmo quando o Estado dá um destino e uma sentença de esquecimento, elas constroem uma maternidade de resiliência, pois são elas que estão na linha de frente – mães nordestinas em sua maioria, pobres, mas também mulheres bem perto da capital, logo ali em Goiânia, mostrando a necessidade de ouvir e ver essa realidade.
Rochelle Alves é outra mulher de batalha, mãe de Hickelly e Ashiley. Abandonou o emprego para cuidar da bebê e hoje tenta gravar um documentário sobre a realidade das mães que enfrentam a síndrome da zika, a partir de sua formação como publicitária. Um dia desses no ônibus um rapaz perguntou a ela: “porque você deixou um mosquito te picar?” – até mesmo a responsabilidade de prevenção e controle do mosquito passa a ser da mulher – a culpa para as mães é algo tão natural quanto assustador em nossa cultura.
É a partir de tantas responsabilidades que algumas me perguntam sobre planejamento familiar: “como não esquecer de tomar a pílula?” Só entende a realidade dessas mulheres quem as escuta. Outra mãe confessou: “Sabe, pra mim até hoje é difícil, especialmente quando ela [a bebê] adoece, eu às vezes acho que não vou conseguir… por isso eu entendo quando as mulheres estão grávidas, que elas pensem que não vão conseguir, que ela pode tentar interromper, ainda mais se elas não têm o mesmo tipo de apoio que eu tenho”.
Se você procurar notícias hoje sobre o vírus no Brasil, vai encontrar muito pouco, como se não existisse mais. Se não escutar as mulheres, saberá menos ainda. Todas essas histórias têm se passado enquanto esperam uma resposta do Supremo Tribunal Federal, que pode dar uma decisão importante de proteção dos direitos sociais já existentes no Brasil na ADI 5581, que desde 2016 aguarda uma decisão dos ministros. A ação estava em pauta de julgamento para o próximo dia 22 de maio, todavia na última sexta-feira (10) foi retirada de pauta sem qualquer justificativa.
Nesse dia das mães quero refletir e compartilhar o que aprendi sobre a maternidade com as mães de bebês afetados por Zika no país. O Brasil foi o epicentro dessa crise de saúde pública, quando se descobriu uma nova questão epidemiológica que teve impacto enorme pro mundo todo, mas o estado brasileiro abandonou essas mulheres, sem garantir o mínimo. Elas estão na linha de frente, criando saídas – é hora de ouvir as mulheres.