por Lígia Formenti
Publicado originalmente no Estadão
BRASÍLIA – A antropóloga Débora Diniz também chama a atenção para a exclusão das mães das crianças com a síndrome. A grande maioria negra, adolescente, de baixa escolaridade, essas mães são esquecidas pelo sistema de proteção do Estado, permanecem excluídas do mercado de trabalho e vivem solitárias como cuidadoras dos bebês. Três entre cada 4 mulheres mães de bebês com microcefalia entrevistadas pelo grupo engravidou na adolescência. A taxa é 4 vezes maior do que os números nacionais.
Das ouvidas, 80% são negras, 6% analfabetas. O desamparo não foi reduzido nem com a chegada dos bebês. Embora nenhuma mãe entrevistada tivesse vontade de engravidar novamente, 43% não faziam uso de métodos contraceptivos. Esse porcentual era ainda maior entre adolescentes: 52%.
“O desamparo vai se acentuar”, afirma Débora. “O fim da emergência global traz a mensagem de que temos informações suficientes de uma doença, mas não é só. Ela tem um impacto nas políticas públicas, em critérios para realização de exames”, avalia.
Sem amparo. O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Kleber Luz, um dos primeiros profissionais a formar a rede de pesquisadores para microcefalia, disse não estranhar os números apresentados pela pesquisa do Instituto Anis.
“A assistência do Sistema Único de Saúde é precária. No momento da explosão da epidemia, muita gente falou. Mas pouco foi feito. Uma coisa é a teoria, outra, é a prática”, afirma.
Para ele, dificilmente o desamparo será revertido. “A síndrome de zika se junta a uma série de outras doenças, que também são esquecidas.”