updraftplus
domain was triggered too early. This is usually an indicator for some code in the plugin or theme running too early. Translations should be loaded at the init
action or later. Please see Debugging in WordPress for more information. (This message was added in version 6.7.0.) in /home/u180249597/domains/anis.org.br/public_html/wp-includes/functions.php on line 6114polylang
domain was triggered too early. This is usually an indicator for some code in the plugin or theme running too early. Translations should be loaded at the init
action or later. Please see Debugging in WordPress for more information. (This message was added in version 6.7.0.) in /home/u180249597/domains/anis.org.br/public_html/wp-includes/functions.php on line 6114por Debora Diniz
Publicado originalmente na Revista Marie Claire
raiva pode ser um sentimento produtivo. Isso quem diz é a psicanálise e o feminismo. Há vários sentimentos por trás da onda verde pela legalização do aborto na América Latina e no Caribe – um deles é a raiva nascida do luto de irmãs, mães e filhas mortas pelo aborto clandestino em nossos países.
O dia 28 de setembro é para lembrar de cada uma delas, nomeá-las em público e em voz alta, mas também para nos reconhecermos em um movimento com destino certo. Iremos descriminalizar o aborto. É só uma questão de tempo.
Somos pacientes, esse é outro sentimento. É uma paciência indignada, preciso confessar. Assim estavam as meninas e mulheres jovens nas ruas de Buenos Aires nos dias de votação pela legalização.
Erra quem pensa que o feminismo perdeu no dia 8 de agosto – tolice, o feminismo já legalizou o aborto nas ruas da Argentina. As bandeiras azuis das comunidades de fé terão dificuldades para converter a nova geração de mulheres que entrará nas universidades, chegará ao mundo do trabalho ou viverá a maternidade com a memória de ter estado nas ruas com muitas milhares de outras mulheres convictas de que prender mulheres por aborto é injusto.
Entre nós, há coragem. Não temos medo de quem nos ameaça, ignoramos quem nos amaldiçoa com fogueira eterna. Há vários rostos para inspirar a nossa coragem. O meu é o de Ingriane Barbosa, a jovem babá negra do Rio de Janeiro, que morreu com um talo de mamona no útero ao tentar desesperadamente um aborto.
Foi a nossa bravura que levou a questão do aborto ao Supremo Tribunal Federal, que transformou as ruas de Brasília em uma vigília de oração e festa pelas mulheres. É a nossa ousadia cotidiana que resiste ao movimento conservador no Congresso Nacional, onde padres e pastores trocam a constituição pela bíblia. Mas, como nossas vizinhas argentinas, somos pacientes e iremos esperar para inscrever na história “nem uma a menos” por aborto.
Em nossa fronteira, há esperança. Desde 2006, uma decisão da corte constitucional na Colômbia alterou a lei penal – de um país com uma das leis mais restritivas de aborto no mundo, os juízes autorizaram o aborto em caso de risco de vida, estupro, inviabilidade do feto e se a saúde da mulher estiver em risco.
A Colômbia passou a ser um destino seguro para as mulheres brasileiras e venezuelanas que, como Rebeca Mendes, atravessam a fronteira para realizar o procedimento na legalidade. Por saúde, se entende o bem-estar integral da mulher e não somente risco de morte. Não há crime em Rebeca sair de São Paulo, tomar um avião para Bogotá e ali fazer o aborto. Não há crime em ela contar a sua história publicamente, como já o fez algumas vezes. A mobilidade entre os países só demonstra o quanto a lei penal é pouco razoável e anacrônica para a vida das mulheres.
No Chile, há resiliência. Com o fim da ditadura militar de Pinochet, o aborto foi integralmente criminalizado. Após intensas mobilizações no Congresso Nacional, a lei de aborto aprovada é semelhante ao quadro de despenalização do Brasil: o aborto é permitido em caso de estupro, risco de vida e feto inviável. Para um país conservador, cujos recentes escândalos de pedofilia da Igreja Católica abalaram o poder religioso, a mudança é um sinal da transformação política da região. Houve tentativa de contestação da lei na corte suprema, mas os recursos foram negados e a lei está em vigor. Judiciário e Legislativo se moveram para garantir que a lei penal fosse alterada.
A verdade é que há uma mistura de sentimentos e a onda verde os combina em um revigoramento da luta política regional: se antes falar de aborto nas demandas políticas era uma questão só de mulheres, uma reviravolta ruidosa ocorre na região. A questão do aborto é cada vez mais uma demanda por vida digna, por cidadania e justiça. Se há raiva indignada de longa data, há agora esperança. Por isso, a onda verde cresce e se multiplica fazendo do 28 de setembro um dia de resistência e de celebração. Será mesmo “nem uma a menos” por aborto clandestino.