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Um grupo de 15 organizações e entidades da sociedade civil acionou a relatoria para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos denunciando a CPI do Aborto instalada na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc).
Tendo iniciado seus trabalhos nesta semana, a Comissão Parlamentar de Inquérito investigará o caso da menina catarinense de 11 anos que, grávida após ser vítima de um estupro, foi induzida por uma juíza a desistir do aborto legal.
A CPI foi criada após solicitação da deputada estadual bolsonarista Ana Campagnolo (PL), que questiona a atuação dos jornalistas que revelaram o caso, se houve crime na realização da interrupção da gestação e se foi feita falsa comunicação do crime de estupro.
No ofício enviado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, os signatários fazem um alerta para eventuais atos de intimidação que possam ser praticados pelo colegiado. Eles destacam que, por vezes, a deputada Ana Campagnolo se referiu ao episódio como sendo fruto de “lobby abortista” e da “imprensa feminista” —o que evidenciaria seus reais objetivos com a criação da CPI.
“Os parlamentares, cientes dos efeitos populares de uma CPI e das prerrogativas atribuídas à investigação parlamentar, pretendem inquirir, na condição de criminosos, profissionais de saúde, jornalistas e advogadas, os quais, cada qual dentro de suas atribuições, contribuíram para que a menina tivesse acesso ao aborto legal após as inúmeras violências institucionais sofridas”, diz o ofício.
“Essa narrativa promove sentimentos de pânico em torno do direito ao aborto legal e incentiva a perseguição política de profissionais de saúde que cumpriram seus deveres legais”, acrescenta.
Entre os que assinam a petição junto à comissão internacional estão a Associação de Jornalismo Digital (Ajor), o Portal Catarinas, Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), o Repórteres sem Fronteiras e a Anis — Instituto de Bioética.
De acordo com as organizações e entidades, a CPI do Aborto não segue os fundamentos previstos pela Constituição e pelo regimento da Alesc para que seja aberta uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Entre as exigências estariam a necessidade de relevância para a vida pública ou de proteção da ordem legal, econômica, social e constitucional.
“No presente caso, não há fato a ser investigado, uma vez que a menina apenas acessou um direito previsto em lei; os profissionais apenas cumpriram seu dever legal de garantir o acesso a esse procedimento; as informações divulgadas pela imprensa foram voltadas à denúncia das arbitrariedades cometidas por agentes do sistema de Justiça”, afirma o documento.
Os signatários ainda sugerem que a CPI pode ter como efeito revitimizar a criança e intimidar os profissionais que atuaram no caso, além de impedir que outras meninas e mulheres tenham acesso a um procedimento legal.
“Na tentativa de ocultar suas pretensões ideológicas de criminalização da menina e do aborto legal, o requerimento contém uma narrativa criminalizatória da atuação jornalística e da mobilização social que contribuíram para a denúncia de arbitrariedades”, dizem.
Como mostrou a coluna, quase todos os deputados estaduais que integram a CPI do Aborto da Assembleia Legislativa de Santa Catarina são contrários à interrupção da gestação.
Ao menos seis dos sete membros do colegiado já se pronunciaram contra o acesso ao procedimento, hoje previsto em lei em casos de gravidez após estupro, quando há risco de morte materna ou quando há gestação de feto anencéfalo.
Além da postura dos integrantes da comissão, o caráter sigiloso dos trabalhos da CPI também tem gerado preocupação entre entidades e organizações que defendem o acesso à interrupção legal da gestação.
Nesta semana, a Alesc decidiu que as reuniões semanais do colegiado não serão tornadas públicas por envolver menores de idade.
O caso da menina de 11 anos que teve o acesso ao aborto dificultado foi revelado pelo The Intercept Brasil e pelo Portal Catarinas. Em junho deste ano, após a repercussão do episódio, ela realizou o procedimento de interrupção da gestação.
À Comissão Interamericana de Direitos Humanos, as entidades e organizações afirmam que o Intercept e o Portal Catarinas agiram dentro dos limites éticos e legais da liberdade de imprensa e preservaram a identidade da criança.
“Foi justamente a ampla repercussão obtida que permitiu que se pudesse tomar ciência da série de violações de direitos e violências institucionais a que a menina estava sendo submetida e intervir para garantir seu direito legal à interrupção da gestação”, destacam.
As organizações solicitam que a relatoria sobre Liberdade de Expressão da comissão recomende ao Estado brasileiro, entre outros pontos, que adote medidas para assegurar o exercício à liberdade de expressão e de informação sobre direitos sexuais e reprodutivos.