Outros fatores, como discriminação racial e desigualdade, também contribuíram para que o Brasil se tornasse o país líder mundial em mortes de gestantes por covid-19
Por: Redação Marie Claire
Em 2020, no primeiro ano da pandemia, o Brasil já era o país líder mundial em mortes de gestantes por covid. Com a falta de informações sobre a vacina para esse público e atendimento, o OOBr (Observatório Obstétrico Brasileiro) divulgou, a partir de dados do Ministério da Saúde, que as internações de grávidas e puérperas por síndrome respiratória aguda grave voltaram a subir cerca de 139% em janeiro de 2022.
E a mortalidade materna foi o assunto de uma pesquisa chamada “Mortalidade materna e falta de atenção centrada na mulher no Brasil durante a COVID-19”, publicada no The Lancet e assinada pelas pesquisadoras Débora Diniz, Luciana Brito e Gabriela Rondon, do Instituto Anis de Bioética.
De acordo com o estudo, foram, no total, 1.948 óbitos, com a maioria deles ocorrendo em 2021. 59% dessas mulheres não apresentavam fator de risco ou comorbidades. Para realizar a pesquisa, foram entrevistadas 25 famílias e parentes de grávidas ou puérperas que morreram por Covid-19.
Segundo o estudo, foram três os principais motivos para o alto índice de mortes, começando pelo atraso no atendimento e na realização de exames. “Os familiares mencionaram que as mulheres receberam alta hospitalar após a confirmação da saúde fetal, com apenas medicamentos para aliviar sintomas leves. As mulheres foram informadas de que seus sintomas respiratórios, como dispneia/falta de ar, eram “enjôo/fadiga da gravidez”, diz a pesquisa. Muitas gestantes não foram testadas.
Outro motivo foi o atraso na hospitalização de mulheres após o diagnóstico de covid-19. Os dados epidemiológicos brasileiros registraram uma média de 7 dias entre o início dos sintomas e a internação para gestantes com diagnóstico confirmado. “Os serviços de saúde mostraram-se relutantes em admitir gestantes com sintomas respiratórios agudos graves. Para aquelas que conseguiram confirmar o diagnóstico de COVID-19, muitas vezes por conta própria, por meio de serviços privados, embora o Brasil tenha um sistema público de saúde, a recusa do atendimento foi justificada pelo fato de as maternidades supostamente não estarem preparadas para admitir pacientes com COVID -19”, afirma.
As pesquisadoras mencionam que algumas gestantes chegaram a ir de três a cinco vezes no mesmo centro de saúde em busca de ajuda médica. A recusa de atendimento foi ainda mais gritante no caso de mulheres negras. De acordo com os familiares, os hospitais tinham atitudes mais “agressivas”, como a culpabilização da mulher pela infecção ou por negligenciar seus sintomas.
Por último, houve atrasos na prestação de cuidados intensivos após a hospitalização, como admissão na UTI, ventilação invasiva e indução precoce do trabalho de parto. De acordo com o Observatório Obstétrico Brasileiro, uma em cada cinco gestantes e puérperas que morreram por covid-19 não teve acesso à UTI e 32,4% não foram intubadas.
Segundo a pesquisa, a intubação ou indução do parto foram adiados aguardando o desenvolvimento fetal e os médicos justificaram esse procedimento como “a necessidade de salvar as duas vidas”.
O estudo concluiu que “houveram falhas no atendimento médico, que foram agravadas pela discriminação racial e normas de gênero prejudiciais. Quase todas as mulheres que morreram enfrentaram os efeitos da pobreza e as interseções de outras desigualdades”.